Aprendendo A Falar Com Os Jurássicos

Eu sou um nerd. Tenho coleção completa de história em quadrinhos do Wolverine, edições especiais de X-men e muitas outras. Adoro filmes de ficção científica – Star Wars pra mim é motivo de emoção. Lendo blogs sobre esse mund nerd, aprendi que quando se comenta algo que contenha spoilers é importante avisar que o artigo contém esse tipo de informação. Portanto, este artigo contém spoilers. Caso queira continuar a ler, fica por sua conta e risco.

Gostaria de tomar a liberdade e escrever um pouco mais sobre o processo de aquisição do que necessariamente sobre ensino de língua inglesa, embora haja uma conexão muito estreita entre esses assuntos. Todos que costumam ler os artigos publicados sabem que sou um estudioso fervoroso do conceito do usage-based learning de Michael Tomasello. Eu jamais havia escrito nenhum artigo inteiramente sobre esse conceito, mas hoje vou conversar mais sobre isso. O usage-based learning é uma corrente linguística contemporânea que mistura duas propostas linguísticas mundialmente consolidadas: o gerativismo, com a ideia da gramática universal e o interacionismo, com as relações interpessoais. Tomasello entra com seu estudo no início do século 21 com a ideia de se juntar ambas correntes uma vez que elas se complementam.

O conceito de que possuímos uma gramática universal cai por terra ao tentarmos colocar uma simples frase dentro desse estudo. Como será que os gerativistas justificariam seu ponto de vista ao analisarem a existência e utilização da expressão “pipoco do trovão”? Se colocarmos dentro de uma oração completa teremos:

(1) Aquele bar, de sexta à noite, é o pipoco do trovão.

A frase em (1) é totalmente gramatical, mas para que ela faça sentido é necessário que alguém seja de Alagoas, conheça alguém de Alagoas, tenha viajado pra Alagoas ou  que tenha conversado por muito tempo com uma amiga de Alagoas – meu caso. De acordo com o estudo de aquisição de linguagem gerativista, essa formação de frase é perfeitmante aceitável e possível de acontecer a partir de uma possível gramática interna inerente aos seres humanos. Mas… onde entra a parte semântica de (1)?

As interações sociais se encarregam de fazer com que a troca de informações contidas na fala ganhe sentido. Por exemplo, a primeira vez que alguém falou pra mim “o pipoco do trovão”, a pessoa teve que explicar  o que a expressão significava pois, até então, ela não fazia sentido algum, embora eu reconhecesse que ela estava falando português. No entanto, o que os estudos de relação interpessoal no processo de aquisição de linguagem diminuem é o papel das funções cognitivas (superiores) no que diz respeito a decodificação tanto fonética quanto semântica/pragmática da fala a qual o interlocutor se expõe.

Mas para entender o que o Tomasello propõe com seu estudo de usage-based learning, basta assistir o novo filme do Parque Dos Dinossauros – Jurassic World. Exatamente, além de ser um filme incrível – eu senti a mesma emoção que senti no primeiro filme dos anos 90 – o novo filme do Spielberg tem um viés linguístico muito interessante. Não, os dinossauros não falam no filme. Barney ainda continua sendo o único jurássico que fala nossa língua, embora as pequeninas criaturas do filme se comuniquem, sim.

Pois vamos lá. No filme, os velociraptors são treinados, como se treinam os cachorros. Eles utilizam a cognição para associar a voz do treinador, os comandos, ou seja os dinossauros não somente ouvem o que é falado, mas também entendem o que aquela produção de sons emitida pelo protagonista (humano) do filme quer dizer com os assovios, os cliques de seu clicker e linguagem corporal. Os velociraptors no filme simplesmente aprendem numa sucessão de tentativa e erro, assim como nós aprendemos a falar. Quando crianças ouvimos, reproduzimos e somos frequentemente reforçados, corrigidos até que um determinado momento de maturação cerebral passamos a falar adequadamente com os registros adequados também.

Se os velociraptors não tivessem interagido com seu treinador, de nada adiantaria sua cognição pois tudo que ele falasse ou gesticulasse não faria sentido para os dinossauros, como não fez sentido pra mim ouvir “o pipoco do trovão” pela primeira vez. Foi exatamente o que o filme mostrou. Existe um dinossauro na trama que foi criado geneticamente em laboratório, mas não teve nenhum tipo de contato social nem com os humanos visitantes do parque, nem com outros dinossauros. Esse dinossauro de laboratório não reconhece os comandos do treinador pois não existe associação, conexão entre a experiência social (inexistente) e a inteligência que o dinossauro possui.

Claro que se trata de uma visão fictícia, mas que ilustra bem o processo de aquisição de linguagem segundo o estudo de Tomasello de usage-based learning. Precisamos estar expostos para que a gente use nossa cognição e então, aos poucos, tentarmos reproduzir a fala. Em nossas aulas de inglês também podemos estimular essa prática dentro da sala. Claro, se não quisermos que nossos alunos se tornem um dinossauro revoltado e saia fazendo estragos pelo parque.

Volta Ao Mundo Com A Língua Inglesa

Conhecer o mundo. Saber que no Japão existem dois pauzinhos para comer, saber que a Índia tem um ponto de vista religioso diferente do nosso, saber que a Alemanha já foi dividida por um muro, saber que no Brasil (sim, nossa casa) existem estados sem praia. Todas essas informações interferem no processo de aquisição de língua estrangeira e termos alunos sem acesso a esse conhecimento ou não motivá-los a buscar adquirir esse conhecimento contribui, negativamente, com o desempenho muito fraco dos alunos brasileiros em língua inglesa. Chegou a hora de mudar isso.

Vocês podem me perguntar “qual a relação entre aprender inglês e saber que a Finlândia pode passar 6 meses sem céu azul”? Toda. Começa pela conscientização de que o mundo é maior que a comunidade em que o aluno vive, de que existem lugares em que as pessoas são diferentes e que falam línguas diferentes. Portanto, saber que em outros lugares, pessoas não falam “que da hora” como referência a algo muito legal tem total relevância com o ensino de inglês e o próximo livro da Professora Cláudia Zuppini para formação de professores vai abordar esse tema. Pros alunos que têm a língua inglesa mais consolidada – ou àqueles que têm um pouco mais da noção da língua – fica mais facilitado o trabalho de se transferir o “da hora” pra “that’s awesome” conforme falamos no artigo sobre uso da língua materna no ensino de inglês. Mas para os alunos que ainda estão iniciando o caminho da aquisição – nossos alunos mais novinhos – nosso trabalho complica, pois eles não possuem tal conhecimento do mundo em função da pouca idade e, às vezes, o fator socio-econômico não permite que esse conhecimento desabroche. Portanto, precisamos fazer dois trabalhos em um: levar aos alunos o conhecimento de mundo e transformá-lo em conhecimento linguístico, fazer com que eles, desde pequenos, saibam que o mundo é gigantesco e que saber a língua inglesa pode tornar nosso planeta tão próximo quanto aquele vizinho barulhento.

Como fazer com que os lugares do mundo fiquem próximos de nossos alunos sendo que é complicadíssimo fazer com que todos eles vejam e conheçam a Torre Eiffel, por exemplo? Fácil! Bastam uma cartolina e uma tecnologia de realidade virtual de ponta. O Google tem investido bastante na sua área educacional e acabou de promover o Expeditions, cardboard de realidade virtual em que os alunos conseguem “visitar” qualquer lugar do mundo. Vamos pensar em uma atividade com nossos alunos do Ensino Fundamental I. O grande objetivo de nossas aulas de inglês é fazer com que os alunos falem (claro que a leitura e a escrita também são muito importantes), então se usarmos essa tecnologia e mandarmos a criançada fazer uma expedição ao zoológico de Nova Iorque, trabalharemos a aquisição de novos vocabulários, mas de maneira bem contextualizada e inseridos na estrutura sintática da língua inglesa. Podemos dividir a aula em duas – uma vez que as aulas de inglês não têm incentivo e sua carga horária é pífia. A primeira aula, podemos usar o tempo para os dois primeiros Ps: presentation, para apresentar o conteúdo que, no caso são os animais e seus sons. Depois os alunos podem praticar com a ajuda de flashcards mostrados pelo professor em que eles dizem os nomes dos animais com os sons que cada um faz, claro, em inglês. Até aí tudo muito simples e até trivial. Pois é na fase de Performance, durante a outra aula da semana, que o Google Expeditions entre em destaque. Após a aula de apresentação de alguns animais e sons que eles produzem, peça aos alunos para “visitarem” o zoológico de Nova Iorque para conhecer os mais diversos animais do mundo e apresentar pra turma os animais mais legais e os sons que eles fazem e como follow-up, o professor pode oferecer nessa atividade é comparar os nomes dos sons dos animais do Brasil com as onomatopeias na língua inglesa.

O mundo é grande e precisamos tentar mostrar o máximo que pudermos aos nossos alunos. O conhecimento além comunidade em que eles vivem, além de mostrar que existem outras línguas, estimula os alunos a se comunicarem e, no caso do inglês, além de ser uma das línguas com as quais os alunos podem ter contato, é um idioma internacional. Viajar pelos quatro cantos do mundo é impossível com todos nossos alunos, mas a tecnologia veio para ajudar. Façam seus alunos conhecerem outras culturas, isso vai despertar uma conscientização global neles que vai ajudar no processo de aquisição de língua estrangeira.