O Idioma Disfarçado de Língua Inglesa

Após um período acumulando trabalho, materiais e mais trabalho, cá estou novamente para conversar com meu amigos teachers sobre fenômenos linguísticos que influenciam diretamente na aquisição de linguagem (me senti o padre Quevedo agora falando sobre fenômenos). Nossas escolas, públicas e particulares, têm ensinado inglês como língua estrangeira, escolas de idiomas também têm se degladiado para mostrar quem ensina melhor inglês como segunda língua, mas será mesmo que nossos alunos estão de fato aprendendo inglês ou o que estão produzindo são uma língua diferente disfarçada de inglês?

Talvez esse disfarce seja fruto de algo que já conversamos aqui antes: a influência do idioma nativo no processo aquisitivo da língua estangeira. Não precisam ficar nervosos, eu não vou falar sobre transfers novamente, mas a interferência que, no nosso caso, o português, exerce sobre  a língua estrangeira pode gerar um caso de criação de creole. E o que viria a ser creole, você pode me perguntar. São línguas híbridas criadas a partir de pidgins. E o que seriam os pidgins? São esquemas frásicos, teoricamente sem função sintática, gerados pelo baixíssimo conhecimento de uma língua estrangeira. Mesmo longe e sem ver, consigo perceber o enorme ponto de interrogação estampado na sua testa. Vamos por partes então. Começaremos por entender o que são os pidgins, pois são basicamente a origem de toda nossa conversa. Imagine que você acabou de cair no meio de uma tribo maori, na costa neozelandesa. Deu pra visualizar a situação? Após um tempo, você aprende a dizer coisas simples como “obrigado”, “eu comer”, “por favor”, etc, simplesmente para conseguir manter o mínimo de comunicação possível. Obviamente que nosso pensamento lógico vai nos fazer utilizar a língua que sabemos para tentar inferir (às vezes acertar) como essa funciona essa nova língua maori e, munidos de tentativa e erro mesmo, inserimos partículas linguísticas de nossa língua nativa nesses esquemas frásicos simplificados para tentarmos sobreviver à essa nova aventura nas praias da Nova Zelândia.

Claro que conforme você for interagindo com os maoris, seu alcance linguístico aumenta, aprendendo sons significativos, palavras, aumento dos esquemas frásicos para sentenças completas, significados, em combinação com nossa (para alegria dos gerativistas) inata capacidade de raciocínio. Assim, os pidgins evoluem e se tornam creoles, isto é, uma língua estrangeira recém aprendida que contém buracos sintáticos, influência da língua nativa, mas que se assemelha um pouco mais com uma sentença mais evoluída, como podemos ver em (1) (Schumann, 2009: loc. 473).

(1) And too much children, small children, house money pay.

(2) If like make, more better make time, money no can hapai.

O que Schumann (2009) nos mostra é a maneira que um coreano encontrou para se comunicar em inglês, sendo que seu conhecimento linguístico da língua estrangeira é bem limitado, porém conseguiu(?) conectar sua fala e transmitir significado. Já em (2), nota-se utilização de duas palavras de uma terceira língua, make, que significa “morrer” e hapai, que significa “carregar” ambas em havaiano. É o exemplo da fala de um nativo japonês tentando se comunicar em inglês com um havaiano e é possível perceber que a língua inglesa, embora mais evoluída que a havaiana, ainda contém muitas brechas sintáticas e também nota-se a presença de palavras da terceira língua, o que mostra o início de uma aquisição.

Acho que consegui deixar claro o que são pidgins e creoles, mas o que tudo isso tem a ver com as aulas de inglês e com a maneira que nossos alunos têm se comunicado em inglês? Em alguns anos trabalhando como professor de inglês e outros recentes como linguísta percebi que nossos alunos estão se comunicando em um creole disfarçado de inglês. Podemos perceber em (3) a forma standardizada da língua inglesa, aquela maneira que tentamos ensinar aos nossos alunos, mas, na maioria das vezes, a fala de nossos prezados students tem influência bem direta e aparente da língua nativa – o português – como vemos em (4).

(3) Yesterday, a weird scene happened on the street.

(4) Yesterday, happened a weird scene on the street.

Claro que em (4) trata-se de algo distantemente parecido com creole haja vista a complexidade e conexão entre as palavras para formar a frase, mas a inversão entre sujeito e verbo, que não faz parte do inglês standard (a menos que você seja o Mestre Yoda), mostra a influência da nossa língua nativa. Também é muito comum encontrarmos a fala de nossos alunosmais parecida com creole do tipo “if have vague, I sleep in hotel” com sentido de “if there’s a vacancy, I’ll sleep in the hotel”. Isso occorre, segundo John Schumann e outros linguístas, porque a aquisição fica superficial, não existe aprofundamento de exposição afinal a pessoa consegue, de alguma maneira, transmitir a mensagem e acaba não indo além. Muitas aulas de inglês, quer seja de escolas regulares (públicas e particulares) ou escolas de idiomas, acabam contribuindo para que isso aconteça mesmo que seja sem querer. Nós teachers precisamos tomar cuidado pra que nossos alunos saiam da sua zona de conforto e sejam lingusiticamente desafiados a pensar e aprender para não ficarem atrelados à proposta de comunicação para realizarem uma tarefa ou fecharem um negócio simplesmente.

Às vezes, fatores externos nos deixam de mãos atadas na hora de fazermos nossos alunos darem um salto maior no processo de aquisição de linguagem. Porque faz mal pra nossa carreira de professor ter alunos falando como se fosse o Tarzan, “mim, comida, agora”, sem contar que isso nada mais é do que uma língua híbrida, sem profundidade, um disfarce para a aquisição que foi mais manquitola do que o Saci Pererê.

 

Habemus Linguistics I

Since always foreign students want to learn slang. I must say I don’t understand why they have this urge to learn slang that passes from generation to generation of students. Despite that, what matters is they want to learn, slang is part of the language and no, they definitely don’t disrupt the language whatever it is. I also decline the argument that internet has been hindering the language – after all, it is considered the guilty for the accelerated metamorphosis of the language creating, then, more and more slang. Ok, but what does this have to do with us teachers? Everything.

In our recent article Having Our English Outside The Box, we talked about the possibility to play with language and still be proficient. Well, you may not like this perspective, but I recommend you get used to accepting some students’ utterances that were once reckoned as “wrong”. We have already mentioned the ultimate use of ‘because’ playing the role of preposition, but what we have been witnessing every single day is a massive attack of linguistic creativity that we teachers need to be aware so we identify whether an utterance is slang or not and, in case it is one, we have to check if the context it was used is indeed appropriate. This is our role: show our students that language has an infinite number of possibilities, but there are situations in which some linguistic forms are more adequate. It is like I always say “if we are going to a barbecue, shorts and flip-flops are ok, but if we’re going to a business meeting, we gotta suit up”. This has to be our spirit whenever our students produce (1) or (2). We have to position the appropriate moment for their utterance.

(1)That film is amaze.

(2)Totes.

Notice that I did not use the “semantically strange” symbol for there many examples of utterances such as those, therefore I consider these slangs as part of a speech community. The case in (1) was not regarded as ungrammatical also for the same reason previously stated. Furthermore, although ‘amaze’ is a reduction of ‘amazing’, playing the syntactic role of adjective, we can take into consideration that this is a new word, thus eliminating any sort of confusion it may cause with the verb ‘amaze’ which would turn the sentence ungrammatical.

Alright. You might ask me then “what’s new about all of this?”. The greatest news here is the origin of this, the internet. This wonderful man made creation that connects everything to everything to everyone has rubbed on our faces how mutant languages are. Take Twitter, for instance. It is one big source of linguistic change. Tweeters know that the message space is highly limited which forces our students to express themselves in a more objective and reduced manner, generating a mutation in the language that would make Professor Charles Xavier jealous. That is why we have the commonly known OMG, LOL and they should never be considered a defeat in language teaching, instead they have to be taken as enriching factor of the language. Imagine how creative our students have to be to convey a message in a short space. With this scenario, we will obviously have abbreviations like IDK, reductions like ‘gonna’, ‘gotta, ‘wanna’, ‘shoulda’, ‘woulda’ and, why not, syntactic changes that end up being mistaken with slangs that are part of some speech communities. And yes, our students will do their best to speak “bad English” just because it is cool. Bucholtz already wrote about it brilliantly.

Thus, my fellow teachers, we have the duty (because we’re pros) to be in touch with the online universe for it materializes in the real world and makes our students coin words, abbreviate their speech, play with the language. Therefore I say it again, the internet has not been disrupting our students’ speech, it has only been going through some changes which is normal in the teenage years and with these changes we see a new type of language, pictorial for times, that facilitates communication.

#InglesNoEnsinoPublico

Em um de seus memoráveis discursos, John Kennedy uma vez disse: “Não pergunte o que seu país pode fazer para você. Pergunte o que você pode fazer pelo seu país.” Bom, vivemos num país em que temos que suprir a falta que os governos Federal, Estadual e Municipal fazem no que tange, no nosso caso, educação de qualidade. Como podemos querer que nosso país tenha um papel importante no cenário mundial sendo que nossas crianças do Ensino Fundamental da rede pública de educação, em muitas cidades, não têm em sua grade curricular ensino de línguas estrangeiras obrigatório, pois de acordo com o MEC, nossas crianças só precisam aprender um outro idioma a partir do Ensino Fundamental II (espero que vocês tenham lido isso com o tom sarcástico que o texto infelizmente não me permite colocar).

Talvez as pessoas responsáveis pela educação dos brasileirinhos estejam se esquecendo da importância que o multilinguismo traz. Prometo não escrever uma novela completa aqui nos artigo de hoje, então vou elencar somente alguns fatos para dar início ao nosso movimento que pede ensino de línguas estrangeiras em todas as séries do ensino público. Vamos imaginar a seguinte situação: você está dirigindo seu carro pela estrada quando avista uma placa de curva acentuada que vai chegar em 300m. Nosso cérebro envia informações para que a gente reduza a velocidade, mude a marcha do carro e continuemos nossa viagem. Quando somos multilíngues, nosso cérebro tem processamento similar de preparação, o chamado Controle. Passamos grande parte do nosso tempo falando nossa língua materna (L1) e momentos antes de se entrar num contexto em que uma língua estrangeira (L2) será utilizada, inibimos L1 para que a produção de L2 ganhe espaço (Baum & Titone: 862, 2014). Portanto, essa capacidade de organização linguística também desencadeia em benefícios organizacionais cognitivos nos alunos que aprendem outros idiomas como, por exemplo, atenção seletiva (Bialystock & Majumder, 1998; Martin-Rhee & Bialystock, 2008). Isto é, nossas crianças terão facilidade em direcionar seu foco em múltiplas tarefas sem perder a qualidade, sabendo dar a devida atenção, no caso de matérias escolares, para cada aula que nossos alunos têm ao longo do dia. De um jeito mais lúdico, é como se as pessoas multilíngues tivessem um interruptor para cada conhecimento e dessem um on/off quando necessário. Outro benefício cognitivo que o multilinguísmo oferece aos alunos é o processamento de metalinguagem. Todo professor faz uso de um discurso metalinguístico para passar a matéria aos alunos, ou seja, o professor de Biologia usa a língua para ensinar os termos (a língua) da biologia e os alunos multilíngues tem uma vantagem pois usam a mesma estratégia para se comunicarem nos idiomas que sabem.

A questão social também tem interferência quando nossos brasileirinhos que estudam na rede pública de ensino aprendem outros idiomas. Nossos colegas que trabalham com educação têm se movimentado para pedir uma internet mais digna (se é que existe uma velocidade digna no Brasil) vão encontrar obstáculos quando os alunos começarem a pesquisar informações e novidades que estarão em inglês (assumindo inglês como língua global). A língua estrangeira vai ser a responsável final para que nossos alunos tenham acesso a novos horizontes, novas formas de pensar e expandam suas fronteiras. Com certeza nossas alunas já ouviram falar no Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos, mas será que elas já ouviram falar na candidata a sua sucessora, a Hilary Clinton? Imaginem o efeito que o conhecimento das ideias de uma mulher gabaritada para ser a mais alta representante de uma potência mundial pode ter em nossas brasileirinhas de uma comunidade menos favorecida economicamente. Em uma entrevista que concedi à Educaderia, disse que não sou neurologista para saber se o conhecimento de outros idiomas mudam a forma de pensar de uma pessoa, mas posso afirmar, como línguísta, que a língua estrangeira expõe pessoas a diferentes perspectivas e isso sim interfere no pensamento. Talvez nossos brasileirinhos não tenham, de imediato, a chance de conhecer outros países, mas se eles conseguirem ter acesso a informação através de sua competência linguística já aumenta sua bagagem cultural e se esse estímulo ocorrer por causa das aulas de língua estrangeira, o caminho para a autonomia será facilitado, porque eles terão mais uma ferramenta para trabalharem sozinhos: a língua.

Portanto, fica aqui minha sugestão que espero atingir não somente meus colegas teachers e linguístas, mas também todos os professores de outras matérias, coordenadores, diretores, profissionais da educação, pais, familiares e todos que querem ver a formação de uma geração futura acontecer para, quem sabe, daqui 10 ou 15 anos esses brasileirinhos mudarem muita coisa em nosso país. Por isso, gostaria que vocês lesse e compartilhassem este humilde artigo e utilizassem a marcação #InglesNoEnsinoPublico para fazermos com que nossos alunos da rede pública de ensino tenham, por lei, ensino de língua estrangeira desde o início do Ensino Fundamental. Juntos a gente consegue fazer com que essa importante mudança aconteça