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The Sound of The Music

Eu sou fã incondicional dos Beatles, adoro a pegada do som do Jack Johnson e Donavon Frankenreiter quando quero relaxar e todo dia fico com o peso do heavy metal na orelha quando vou pra academia. A música está sempre comigo na correria do meu cotidiano, mas quando eu precisava desenvolver atividades de listening para meus alunos, pensava duas vezes antes de usar música.

Trabalhar a parte auditiva num idioma que é puramente fonético (o inglês) é imprescindível, pois a parte ortográfica pode não coincidir com a maneira que se pronuncia tal palavra. Se analisarmos os verbos presentes em (1) – (3) poderemos perceber que eles contém a vogal da última sílaba em igualdade – /eI/. Nossos alunos, por causa da língua materna, e existe um gap automático entre o início do processo da língua materna (Lø) e da língua estrangeira, estão condicionados a ver uma palavra com a terminação ‘ade’ e já produzem [adʒi] como em (5). Se não houver nenhum tipo de exposição dos alunos com as palavras (1) – (3), eles não irão notar a diferença entre os sons afinal, “onde já se viu A ter som de E”. Esse tipo de aprendizado só vai acontecer se eles ouvirem essas palavras e se acostumarem com a ordem fonética delas, ou seja, através das atividades de listening.

(1) Forbade

(2) Blade

(3) Persuade

(4) Façade

(5) Saudade

Conforme formos aplicando as atividades de listening em nossas turmas, os alunos também irão se acostumar que em inglês a terminação ‘ade’ significa /eId/ e irão super generalizar seu uso, mas quando eles se depararem com (4), podem cair na armadilha. A palavra façade, apesar de ter terminação ‘ade’, não segue a regra encontrada em (1) – (3) e apresenta a pronúncia /ɑd/ – com abertura total da boca na vogal principal. Mais uma vez, nossos alunos só irão entender essa mudança caso eles tenham ótimos teachers que ofereçam atividades  que os instiguem a perceber todas essas diferenças fonéticas.

O maior desafio que encontramos ao trabalhar a habilidade auditiva de nossos alunos é ampliar o alcance, isto é, fazer com que os alunos não fiquem com sua atenção voltada somente a uma palavra ou duas, mas sim que eles tenham o entendimento literal delas e também seu contexto para que então eles possam desenvolver seu pensamento crítico. Quando ouvimos, quer seja em nossa língua materna ou estrangeira, temos alguns passos até chegar o entendimento. Primeiro, buscamos pelo entendimento literal das palavras quer seja através do nosso conhecimento externo, do mundo, quer seja pelo interno, próprio. Depois, vamos entendendo a ordem sintática da fala do locutor para enfim entendermos o significado, a intenção daquilo que foi falado (Segalowitz, 2010: loc. 471, Mattiello, 2016: 117). É exatamente aí que as atividades com músicas têm um gap.

Oferecer as famosas atividades com música para os alunos é muito bom para fazer com que eles se acostumem com os sons da língua estrangeira, mas não oferece a profundidade necessária. Geralmente essas atividades têm a seguinte estrutura: o professor oferece aos alunos uma folhinha com a letra da música faltando algumas palavras, o professor toca a música e os alunos têm que preencher a atividade entregue com aquilo que eles ouviram durante a música. O primeiro problema que podemos encontrar é estrutural ou seja, o plano de aula dessa atividade apresenta alguns buracos. Por exemplo, onde está a apresentação de palavras novas que são essenciais para a performance dos alunos? Talvez a letra da música tenha algumas palavras que são desconhecidas dos alunos, por isso é importante ensiná-las antes de tocar o áudio. A música tem relevância para os alunos? Claro que todos gostam de música, mas gostar não necessariamente significa ser relevante. Não é porque sou fã dos Beatles que eu vou querer saber quais palavras eles falam em Hey Jude (o Google oferece isso) ou talvez o momento não seja oportuno.

A parte mais importante que deveria ser trabalhada, o entendimento semântico e pragmático da música, fica perdida nesse tipo de atividade. Se ficarmos somente limitados a algumas frases ou palavras, todo entendimento do que foi falado some. É preciso que as atividades de listening ofereçam aos alunos a chance para que eles entendam de fato a mensagem do locutor, quer dizer, eu preciso saber que em Hey Jude, os Fab Four falam para um rapaz que ele deve ir atrás do que ele almeja, no caso, reconquistar um amor. Esse tipo de entendimento só é possível depois de ouvir inúmeras vezes. Claro, a parte lexical é, sim importante, mas se (6) fizesse parte desse tipo de atividade, o que o aluno pensaria?

(6) The minute you let her under your skin.

Por mais que os alunos tivessem que preencher com o que eles ouvissem e conseguissem ouvir palavra por palavra, eles não iriam entender o significado dessa frase. Oras, eles sabem let, sabem her, under com certeza, your também, skin eles sabem, mas esse meaningful chunk vai passar batido pelos alunos e, por isso, atividades com músicas – as tradicionais – sempre apresentam brechas no aprendizado de uma língua estrangeira. Caso a música tenha relevância e sua utilização seja imprescindível, lembre-se de oferecer uma estruturação pra aula e antes de tocar o áudio, faça perguntas de interpretação também, mas sem a folhinha. A folhinha faz com que os alunos acabem lendo e não necessariamente ouvindo e ao interpretar sem ela, eles demonstram que de fato conseguiram ouvir e entender a música.

Obviamente que os alunos adoram ouvir música, nós também gostamos, mas quando o assunto é trabalhar a parte auditiva nas aulas, uma sugestão seria usar conversas, diálogos, algo mais real pois músicas tem a parte instrumental que pode prejudicar o entendimento da letra. Além disso, procure sempre estruturar as atividades de audição para que os alunos também tenham oportunidade para entender o que está sendo dito ou cantado. Completar as folhinhas é uma prática bem comum, mas não muito eficaz e não queremos que nossos alunos tenham uma formação claudicante.