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Fillers, Mas Não É Pra Encher Linguiça

Me lembro de quando era mais novo e os professores de inglês onde estudava constantemente diziam que pessoas que ficam pausando suas falas com “é”, “hum”, “ãm”, etc, tinham a fluência atrapalhada. Algumas décadas se passaram, hoje estou do outro lado do espectro e posso dizer que aqueles professores se esqueceram de estudar um recurso muito interessante da fala. Os chamados fillers.

Fillers são um recurso linguístico que interrompem a fala, mas que geralmente são mal compreendidos ou utilizados em excesso, o que contribui para sua má fama. Porém, o que nunca paramos pra pensar é que esses fillers são características da proficiência de uma língua, isto é, tal qual a ordem sintática, escolha de palavras, sotaques, essa característica também mostra o nível de conhecimento linguístico que uma pessoa tem. Nós também temos fillers na língua portuguesa: “é”, “hum”, prolongamento da última sílaba (3).

(1) Ontem, é… eu fui ao jogo logo depois do almoço.

(2) Quando chegamos na praia, a gente… hum… tirou todas as malas do carro.

(3) O time não jogo:::u… não jogou muito bem.

Notem que em (3) o símbolo utilizado para prolongamento do som usado é o “:” e geralmente usamos esse e outros tipos de fillers para organizarmos nossa fala. Bem utilizado, mostra que o controle sobre aquele idioma é total, que o locutor apresenta ferramentas mais que suficientes para provocar expectativa, para transmitir sua mensagem da melhor maneira, para gerar comoção, humor, etc.

Além de ser parte integrante da fala para gerar as situações acima citadas, fillers também têm um papel importante para que uma conversa tenha continuidade (ou não).

(4) A: I also like:

B: I don’t like [this kind of food!]

A:                     [Italian food.]

A gente pode notar no diálogo de (4) que uma hesitação durante uma conversa pode fazer com que o interlocutor acabe “atravessando” a conversa e inicie sua fala acreditando que seu momento para tal tenha chegado. Isso acontece numa fala natural e, por isso, é importante trabalhar esse tipo de hesitação da fala para que a gente, professor de língua inglesa, ofereça aos alunos o modelo de fala mais natural possível. Ou seja, para que nossa fala não seja abruptamente interrompida quando a gente precisar dar uma organizada na nossa fala (e isso é comum), em vez de pausar a fluência com silêncio preencha essa lacuna com um filler como pode-se notar em (5). Além de ajudar na organização da fala de um jeito natural, eles têm função interessante em nossa pronúncia uma vez que os fillers adicionam uma vogal à palavra, contribuindo para que a curva de entonação se mantenha de acordo com o que a língua inglesa propõe.

(5) Last night was: erm.. different.

Mas como tudo que é em exagero dá problema, o uso desse recurso em excesso pode causar o efeito contrário àquele que geralmente os fillers oferecem. Isso quer dizer que se os inserirmos com uma frequência muito alta, a naturalidade se perde e, consequentemente, a fluência da fala. Isto é, o uso excessivo dessa característica linguística faz com que nossa fala pareça não ter confiabilidade, que a gente não sabe sobre o que estamos falando. Claro que isso é a última coisa que queremos.

Não estou dizendo que hesitar para organizar melhor as ideias é um péssimo negócio, pelo contrário, existem maneiras de se fazer isso sem parecer que está criando fatos ou que não há certeza naquilo que está sendo dito. Mais ainda, esse recurso faz, sim, parte da língua, ou seja não é errado nem podemos julgar a fala da pessoa que usa fillers como sendo ruim ou com falhas. Porém, tão importante quanto saber que é possível usar esse truque linguístico é não exagerar, não passar do tom para que a tão perseguidade naturalidade da fala não se perca.

O Que Nossas Provas Provam?

Infelizmente, nosso país tem uma veneração cega pelas notas que os alunos tiram nas provas. As provas acabam sendo a única métrica responsável por informar se o aluno aprendeu ou não uma determinada matérias escolar. Só que no caso de ensino de línguas, temos um processo aquisitivo que explora diversas habilidades linguísticas dos alunos e, portanto, as atividades que colocamos no papel podem não ser a melhor maneira de se medir o status da aquisição.

Primeiramente precisamos nos lembrar de que a língua, seja ela materna ou estrangeira, é aprendida para fins comunicativos, isto é, para ser falada. Quer você tenha uma percepção gerativista ou interacionista do desenvolvimento de fala, um consenso deve ser a de que línguas são adquiridas para serem produzidas e não para ficarem sufocadas no interior do cérebro ou limitadas a leitura ou escrita de textos. Afinal de contas, aprendemos a falar muito antes do que aprendemos a ler e escrever. Mais ainda, quando aprendemos a escrever, não utilizamos a escrita para ficar escrevendo frases mecanizadas ou completando sentenças com léxicos que foram deletados. Porém, é exatamente esse tipo de coisa que é exigido dos alunos quando eles têm prova, como se aquela atividade fosse favorecer ou otimizar o processo de aquisição de língua estrangeira dos nossos “anjinhos”. Vamos tentar entender, analisando o exemplo de atividades que são comuns nas provas de língua inglesa nas escolas brasileiras.

(1) Complete the sentences with comparatives or superlatives

“My father is ___ my sister. (tall)”

(2) Use negative to correct false sentences

“A giraffe has a long nose – A giraffe doesn’t have a long nose”

Primeira consideração a ser feita é que a língua não funciona de forma tão mecanizada. Se o objetivo é atingir um desempenho alto na oralidade, esses tipos de atividades não têm eficácia alguma, nem mesmo usando o argumento de que alunos vão aprender as regras esse tipo de atividade ajuda. Os alunos vão responder as perguntas de forma mecanizada, como se fossem papagaios da escrita, isto é, eles vão perceber que existe um padrão – em (1) eles tem que colocar taller ou more + adjetivo + than e em (2) passar as frases falsas para a negativa usando o auxiliar em 3a. pessoa do singular – e nas outras frases, o foco vai sair do “como fazer isso nessa língua” e se tornar algo do tipo “só preciso fazer isso em todas as frases”. Essa automatização não faz com que os alunos aprendam a língua.

A segunda consideração sobre esses tipos de atividades é a falta de contextualização com o que nossos alunos estão expostos todo dia. A contextualização é o que vai fazer com que nossos alunos fiquem engajados e, além disso, essa proximidade com que eles estão acostumados a fazer fora da sala de aula facilita o relacionamento entre a língua estrangeira e o conceito – já aprendido na língua materna. Por exemplo, as atividades (1) e (2) são escritas, mas em nenhuma situação comunicativa os alunos vão se deparar com situações reais do cotidiano em que eles precisem completar uma frase em língua estrangeira ou ficar simplesmente modificando frases afirmativas para negativas em sequência. Escrita no mundo real envolve escrever uma mensagem no celular pra alguém, postar algo nas redes sociais, enviar um email, conversar com alguém via mensagem instantânea, etc. Nenhuma dessas opções tem absolutamente qualquer relação com as atividades costumeiramente encontradas nas provas de língua inglesa e então você pode retrucar dizendo “na vida real meus alunos não ficam escrevendo redações e isso é um jeito de analisar o conhecimento da língua através da escrita”. Perfeito! Então faça-os escrever uma redação pra avaliar até onde os alunos adquiriram conhecimento linguístico durante as aulas e também para deixar a avaliação mais contextualizada.

Portanto, já que estamos num país em que a prova é o objetivo mais valioso nas escolas, temos o dever de oferecer atividades que estejam de acordo com as habilidades linguísticas usadas na comunicação. Em vez de pedir que os alunos completem uma frase – sendo que eles podem até trapacear sem ninguém ver e vai dar a impressão de que ele aprendeu – peça pra que eles criem um panfleto relacionado a um evento que a escola vai oferecer. Ofereça algo relevante em que a língua seja uma ferramenta de comunicação e você consegue engajá-los e avaliar o quanto eles aprenderam.