Os Benefícios do “Simon Says”

Não faz parte do meu gênero musical favorito, mas existe uma letra de pagode dos anos 90 que diz “brincadeira de criança/como é bom” e mal sabia que décadas depois, esse trecho iria fazer tanto sentido. Principalmente no que diz respeito às aulas de língua inglesa. Se bem feita, na medida certa, essa brincadeira trabalha a habilidade auditiva dos alunos de uma maneira bem eficaz.

Um dos desafios de se trabalhar a parte auditiva de nossos alunos é fazer com que eles compreendam as nuances fonológicas que englobam pronúncia, rítmo e aglutinação/combinação de sons (sem levar em consideração a regionalidade).  Após a decodificação da parte fonológica, nossos alunos têm que compreender aquilo que lhes foi dito para então decidir se a mensagem foi literal ou se existe algum tipo de figura de linguagem, pressupostos ou implícitos, elementos que  complementam a decodificação. Somente após isso tudo acontecer, que nossos alunos vão formular sua resposta – no máximo paralelamente a esse processo. Esse esquema, presente no trabalho de Segalowitz (2010) e Mattiello (2016), se alinha com desmitificação da passividade da habilidade auditiva que por décadas era rotulada como uma habilidade em que os alunos se posicionavam de forma passiva sobre aquilo ao qual eram expostos.

A brincadeira Simon Says explora, da maneira mais lúdica possível, o processo de decodificação auditiva. O esquema de Lecercle (1999) também está adequado à essa brincadeira, vamos entender como:

  • O professor dá o comando de voz para os alunos. Por exemplo, “Simon says ‘jump'”.
  • Os alunos têm que entender o comando e realizar exatamente aquilo que é pedido pelo professor através do comando. Ou seja, os alunos devem pular.

De acordo com Lecercle, a produção do locutor – aqui na função do professor – chega até os ouvidos do interlocutor que precisa compartilhar do mesmo background (as regras da brincadeira) para que a conversa tenha continuidade, e então o interlocutor irá compreender a mensagem (“jump”). Se fizermos uma transferência, podemos adotar o background compartilhado como sendo as características fonológicas da língua, o que dá a essa troca uma camada extra de dados a serem compartilhados no sistema locutor/interlocutor. Vamos entender melhor:

(1) Simon says bark.

(2) Ruf ruf ruf.

A carga semântica de (1) precisa ser de conhecimento do aluno, conforme dito anteriormente. Porém, os alunos também precisam ter ciência da combinação  fonológica da produção das palavras, caso contrário, tudo que eles irão ouvir é um amontoado de sons. Esse compartilhamento é tão importante que, caso os interlocutores tenham adquirido conhecimento fonológico da língua inglesa mais frequente nos Estados Unidos, se o locutor por acaso  tiver sotaque britânico de uma determinada comunidade, teremos [bɑːk] (diferentemente do americano [bɑrk]) e há uma grande probabilidade que os alunos não entendam o que eles devem fazer.

Mas como nem tudo é sempre mil maravilhas, se os professores brincarem de Simon Says com uma frequência alta e sem fazer algumas modificações, os alunos podem ficar condicionados. Por exemplo, se os verbos forem sempre os mesmos, óbvio que a criançada, muito esperta, vai ligar o automático quando você falar jump, sit, etc. Pra dar uma variada na brincadeira, você pode ter uma lista nova de verbos a cada vez que for brincar ou quem sabe pedir para que alguns alunos sejam os que ditem “Simon says”. Esse revezamento pode fazer com que os alunos que estiverem na posição de interlocutores tenham contato com outros backgrounds  fonológicos e o professor, de quebra, tem a chance de avaliar a fala do aluno.

É impressionante como uma brincadeira, um jogo, pode ter um viés de aprendizado de língua tão inerente, a ponto de poder ser suportado por estudos linguísticos que, com certeza, não foram realizados com a finalidade de serem úteis no desenvolvimento de uma brincadeira para crianças. Por isso, jogar Simon Says com os alunos é muito importante, mas como tudo o que fazemos em sala de aula, é necessário preparo para não ficar uma brincadeira pela brincadeira. Afinal, o lúdico carrega objetivos também.