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A Prática Leva a Muitos Benefícios

Para aqueles que já tiveram a oportunidade de ler alguns de meus artigos e de fazerem os cursos de capacitação que ofereço sabe que uma aula bem planejada sempre tem uma espinha dorsal, um roteiro para que as atividades não fiquem desconectadas, perdidas no ar. Dentro dessa espinha dorsal, deve existir sempre um momento para que os alunos pratiquem porque sabemos que nosso país não oferece a exposição necessária para estimular o par oralidade/audição, pilares da aquisição de linguagem.

Mas… você já foi procurar saber o motivo de a fase de prática ser tão importante para os alunos? Já foi atrás do que acontece quando somos expostos a um idioma que não é o materno (L2)? Quando Tomasello (2005) diz que usamos nossas funções superiores para aprender algo que vimos através de uma interação social – quer seja explicada, quer seja de maneira espontânea – uma série de raciocínios acontece até que a fala de fato seja produzida. Embora já tenha mencionado o esquema de Segalowitz (2010) em outros artigos e no meu capítulo do livro Formação de Professores (2016), a gente nunca tinha discutido com profundidade como a fala em L2 acontece. Na Figura 1, o esquema mostra como planejamos nossa fala em estágios (parsed speech).

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Figura 1 (Segalowitz, 2010)

Em nosso cérebro, antes de produzirmos nossa fala em L2, nós planejamos o que iremos dizer com antecedência, isto é, nós fazemos uma varredura em nosso cérebro para colocarmos as palavras nas gavetas apropriadas para exprimirmos nossa intenção (grammatical encoding). Pra que isso aconteça, fazemos uso de conhecimento prévio sobre o novo idioma, sobre nosso idioma e sobrepomos ao que sabemos sobre a percepção e comportamento de nativos em relação ao idioma (Ly e Lx respectivamente). Após essa fase, Segalowitz prossegue com esse mapeamento cognitivo de processamento de L2 para produção oral e mostra que após o momento de se pensar na fundação da língua, nós partimos para os “átomos”, ou seja, planejamos a parte morfo-fonológica da fala – palavras. Nessa segunda fase, trazemos à superfície nosso conhecimento com relação a articulação e combinação fonológica e comparamos com os gestos dos falantes nativos. A intersecção oferece os modelos fonológicos que usaremos quando falarmos.

Tudo isso ocorre em pouquíssimos segundos conforme vamos utilizando nosso cérebro e embora tenhamos, sim, uma área em que fazemos processamentos linguísticos (lóbulo temporal esquerdo), seria errado dizer que somente essa parte é responsável pela produção da nossa fala. Oras, se estamos falando de planejamento, estratégia e escolha lexical, não somente o lóbulo temporal vai ser ativado, mas também a parte frontal do cérebro, responsável por essas funções (Bailer, 2016). Isto é, quando encorajamos a fala de nossos alunos com atividades de prática em sala de aula, estimulamos uma atividade cerebral intensa com uma simples tarefa.

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Figura 2 (Segalowitz, 2010)

Perceba que na Figura 2 temos outros fatores que influenciam na fala de língua estrangeira como, por exemplo, contexto comunicativo. Quando preparamos nossos lesson plans e seguimos aquela espinha dorsal que mencionei no início deste artigo, estimulamos um ambiente em que os alunos percebem esse viés comunicativo, fator que muitas vezes faz com que os prórpios alunos se sintam envergonhados, com receio de falar quando não há esse tipo de ambiente.

O momento de prática oral dos alunos não é simplesmente pedir que eles criem frases com o conteúdo recém ensinado, pois embora as funções superiores estejam sendo acionadas (conforme foi explicado anteriormente), não existe contexto nem motivação para que as frases sejam faladas – fatores sociais importantíssimos que são gatilho para oralidade. Além disso, fala pressupõe que haja interlocutor, ou seja, ter uma fase de prática no plano de aula não somente propicia a fala, mas também explora a habilidade auditiva dos alunos que, ao ficarem expostos a fala também fazem uso do esquema cognitivo de produção só que em vez de auto percepção (f7), há uma ativação da percepção externa da fala e as mesmas ativações de conhecimento morfo-fonológicos e de estruturação de frases para que  haja entendimento do que está sendo falado. Além disso, a fase de prática do plano de aula é o momento em que se busca precisão da língua. Portanto, as correções e repetições acontecem durante esse momento e conforme podemos notar na Figura 2, frequência de exposição e repetição são fatores que favorecem o esquema cognitivo da produção oral da língua estrangeira.

Com tudo isso, a gente pode notar que estabelecer um momento de prática bem estruturado em todas as aulas de L2 traz benefícios que extrapolam os fatores pedagógicos ou porque você aprendeu que essa oportunidade deve estar presente nos planos de aula. Tem todo um suporte linguístico por trás dessa abordagem que podem ajudar na hora que você for se sentar para planejar suas aulas e suas atividades. Mesmo que você utilize a maioria das atividades do seu teacher’s guide (espero que não faça isso e desenvolva mais), a fase de prática precisa acontecer para que seus alunos tenha chance de trabalhar a oralidade de maneira natural, relevante (sempre) e divertida.

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Quietude Demais Pode Ser Desmotivação

É muito engraçado, quando prestamos atenção nos alunos dentro uma sala de aula, sempre tem aqueles que ficam mais quietos. Quietos, atentos à aula e, às vezes, viajando na maionese, pensando em sabe-se lá o que. Então a grande questão é: por que meus alunos não querem falar? Por que eles não falam? Bem, caso nenhum deles tenha algum impedimento físico, talvez a gente consiga dar uma clareada.

Antes de planejarmos as aulas (por favor, planejem suas aulas) é importante pensarmos em qual metodologia iremos usar e o motivo dessa escolha. Partindo do pressuposto que professores não ficam mais pedindo para alunos lerem uma apresentação que eles fizeram e afirmam que isso é trabalhar a oralidade, uma sugestão mais apropriada é a adoção de uma abordagem em que os alunos se deparam com o inesperado para que eles utilizem sua cognição  para produção de fala conforme eles vão se expondo à língua. Essa ativação da cognição é muito importante para nós professores porque se soubermos como se desenrola o processo de produção de fala através da ativação da função superior de nossos alunos, sem dúvida alguma criaremos aulas muito mais eficazes.

O esquema de Segalowitz (2010), ilustra de uma forma bem didática o desenrolar do processo cognitivo em conjunto com o papel não menos importante que as interações sociais têm. De acordo com Norman Segalowitz, a cognição dos falantes de uma língua estrangeira (L2) se beneficiam da exposição ao novo idioma, e fazem uma sobreposição de conhecimentos culturais, escolha lexical, estrutura sintática e fonologia conforme o locutor se comunica e todo processo de decodificação vai acontecendo no cérebro do interlocutor simultaneamente (Mattiello, 2016). Assim que todo esse processo tem seu desenvolvimento, o interlocutor também começa a “planejar” sua resposta para continuação da conversa, resultando, então, na fala. É nesse momento que você poderia me questionar dizendo “isso eu já tinha uma noção, cadê a novidade?”. A motivação.

Uma das grandes dificuldades que encontramos na hora de fazer nossa aula acontecer é encontrar um jeito, uma fórmula mágica que faça nossos alunos falarem. Isso é tema pra uma outra conversa, mas precisamos rever nossa maneira de planejar as aulas, pois de acordo com os resultados, nossos objetivos para implementação das atividades andam meio distorcidos, entendimento das novas gerações de alunos anda desequilibrado e as habilidades tecnológicas – algo que tem sido inato dos novos alunos – é bem limitado. Esses fatores e outros entram no quesito motivação, quesito importantíssimo para convencer nossos alunos a produzirem no idioma alvo. Segalowitz também acredita que esse é, de fato, um ponto primordial para que a fala aconteça. As atividades propostas precisam ser desenvolvidades e amarradas para que haja um motivo muito forte que os alunos sintam-se não somente confortáveis para falar, mas também percebam que há uma razão por trás da sua produção oral.

Como disse anteriormente, a falta de objetivo esclarecido por parte do desenvolvimento das atividades de sala e o conservadorismo dos professores, insistindo em atividades que em momento algum encoraja a fala, fornece números para a derrocada do ensino de língua inglesa no país. Pois pensemos: se pressupusermos que os alunos não têm capacidade para produzirem algo oralmente (o que já seria um absurdo), se continuarmos com atividades sem muito propósito, que não estimulam a cognição, logo a fala. se os alunos não perceberem que aquela proposta tem alguma conexão com seu mundo (Segalowitz, 2010, Mattiello, 2016), terá grandes obstáculos. Por isso que disse, lá no início deste artigo, que um pouco de entendimento sobre linguística juntamente com o planejamento das aulas são fundamentais para um salto considerável na qualidade do ensino de inglês no Brasil.

Alunos quietos demais, pode significar desinteresse, que culmina com desmotivação para fala. Quanto mais conseguirmos aumentar o número de alunos que se interessem pelas nossas atividades, maior a frequência de fala em sala de aula e até mesmo fora dela (quem sabe?).

Aprendendo A Falar Com Os Jurássicos

Eu sou um nerd. Tenho coleção completa de história em quadrinhos do Wolverine, edições especiais de X-men e muitas outras. Adoro filmes de ficção científica – Star Wars pra mim é motivo de emoção. Lendo blogs sobre esse mund nerd, aprendi que quando se comenta algo que contenha spoilers é importante avisar que o artigo contém esse tipo de informação. Portanto, este artigo contém spoilers. Caso queira continuar a ler, fica por sua conta e risco.

Gostaria de tomar a liberdade e escrever um pouco mais sobre o processo de aquisição do que necessariamente sobre ensino de língua inglesa, embora haja uma conexão muito estreita entre esses assuntos. Todos que costumam ler os artigos publicados sabem que sou um estudioso fervoroso do conceito do usage-based learning de Michael Tomasello. Eu jamais havia escrito nenhum artigo inteiramente sobre esse conceito, mas hoje vou conversar mais sobre isso. O usage-based learning é uma corrente linguística contemporânea que mistura duas propostas linguísticas mundialmente consolidadas: o gerativismo, com a ideia da gramática universal e o interacionismo, com as relações interpessoais. Tomasello entra com seu estudo no início do século 21 com a ideia de se juntar ambas correntes uma vez que elas se complementam.

O conceito de que possuímos uma gramática universal cai por terra ao tentarmos colocar uma simples frase dentro desse estudo. Como será que os gerativistas justificariam seu ponto de vista ao analisarem a existência e utilização da expressão “pipoco do trovão”? Se colocarmos dentro de uma oração completa teremos:

(1) Aquele bar, de sexta à noite, é o pipoco do trovão.

A frase em (1) é totalmente gramatical, mas para que ela faça sentido é necessário que alguém seja de Alagoas, conheça alguém de Alagoas, tenha viajado pra Alagoas ou  que tenha conversado por muito tempo com uma amiga de Alagoas – meu caso. De acordo com o estudo de aquisição de linguagem gerativista, essa formação de frase é perfeitmante aceitável e possível de acontecer a partir de uma possível gramática interna inerente aos seres humanos. Mas… onde entra a parte semântica de (1)?

As interações sociais se encarregam de fazer com que a troca de informações contidas na fala ganhe sentido. Por exemplo, a primeira vez que alguém falou pra mim “o pipoco do trovão”, a pessoa teve que explicar  o que a expressão significava pois, até então, ela não fazia sentido algum, embora eu reconhecesse que ela estava falando português. No entanto, o que os estudos de relação interpessoal no processo de aquisição de linguagem diminuem é o papel das funções cognitivas (superiores) no que diz respeito a decodificação tanto fonética quanto semântica/pragmática da fala a qual o interlocutor se expõe.

Mas para entender o que o Tomasello propõe com seu estudo de usage-based learning, basta assistir o novo filme do Parque Dos Dinossauros – Jurassic World. Exatamente, além de ser um filme incrível – eu senti a mesma emoção que senti no primeiro filme dos anos 90 – o novo filme do Spielberg tem um viés linguístico muito interessante. Não, os dinossauros não falam no filme. Barney ainda continua sendo o único jurássico que fala nossa língua, embora as pequeninas criaturas do filme se comuniquem, sim.

Pois vamos lá. No filme, os velociraptors são treinados, como se treinam os cachorros. Eles utilizam a cognição para associar a voz do treinador, os comandos, ou seja os dinossauros não somente ouvem o que é falado, mas também entendem o que aquela produção de sons emitida pelo protagonista (humano) do filme quer dizer com os assovios, os cliques de seu clicker e linguagem corporal. Os velociraptors no filme simplesmente aprendem numa sucessão de tentativa e erro, assim como nós aprendemos a falar. Quando crianças ouvimos, reproduzimos e somos frequentemente reforçados, corrigidos até que um determinado momento de maturação cerebral passamos a falar adequadamente com os registros adequados também.

Se os velociraptors não tivessem interagido com seu treinador, de nada adiantaria sua cognição pois tudo que ele falasse ou gesticulasse não faria sentido para os dinossauros, como não fez sentido pra mim ouvir “o pipoco do trovão” pela primeira vez. Foi exatamente o que o filme mostrou. Existe um dinossauro na trama que foi criado geneticamente em laboratório, mas não teve nenhum tipo de contato social nem com os humanos visitantes do parque, nem com outros dinossauros. Esse dinossauro de laboratório não reconhece os comandos do treinador pois não existe associação, conexão entre a experiência social (inexistente) e a inteligência que o dinossauro possui.

Claro que se trata de uma visão fictícia, mas que ilustra bem o processo de aquisição de linguagem segundo o estudo de Tomasello de usage-based learning. Precisamos estar expostos para que a gente use nossa cognição e então, aos poucos, tentarmos reproduzir a fala. Em nossas aulas de inglês também podemos estimular essa prática dentro da sala. Claro, se não quisermos que nossos alunos se tornem um dinossauro revoltado e saia fazendo estragos pelo parque.