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Tirando O Inglês Da Gaveta.

Em mais de uma década dando aulas de língua inglesa, já perdi as contas de quantas vezes ouvi pessoas (alunos, professores, coordenadores, propagandas, etc) falarem que fulano fala inglês bem ou mal. Quando comecei minha (super) carreira de professor eu não pensava sequer em me tornar um linguísta, mas sempre que ouvia algo daquele tipo, alguma coisa não me soava bem. Era como se a língua tivesse que ser realizada daquela maneira, caso contrário a pessoa seria queimada como faziam com as bruxas. Acho que não é bem assim.

Se pensarmos em termos fonéticos, claro que vamos encontrar uma linha média de pronúncia. O que viria ser essa linha média? Aquelas produções fonéticas que não causam confusão, ou seja, por mais que você seja de Piracicaba ou do Rio de Janeiro, de São Francisco ou do Texas, sua pronúncia não te levará a cair em um problema de par mínimo, isto é, aqueles pedacinhos do fonema que se forem trocados, vão formar palavras diferentes. Além de pares mínimos, podemos pensar no tema sotaque, característica extremamente regional. Inúmeras foram as vezes que ouvi alguém julgar a competência linguística em língua inglesa de uma outra pessoa por causa da pronúncia sendo que, algumas vezes, aquela produção fonética poderia ser resultado de uma exposição a um tipo de inglês desconhecido como o do norte da Inglaterra, o Escocês, Indiano, Sul Africano, etc. Contudo, dizer que uma pessoa “fala bem inglês” sob uma ótica pura e exclusivamente fonética pode dar piripaque.

Sintaxe… ah a sintaxe! Quem fez letras, como este que vos escreve, com certeza teve dias tenebrosos fazendo as árvores sintagmáticas para se analisar as estruturas frásicas. Acreditar que uma pessoa fala bem ou mal inglês em função da estrutura sintática que se é produzida é entendível, porém discutível. Se um aluno nosso produzir algo como podemos ver em (1), certamente diríamos que o aluno fala um péssimo inglês e chegaríamos a ter a pachorra de dizer que ele não é fluente se comparado com (2).

(1) *You’s cool, man.

(2) You’re cool, man.

Claro que nossa função como professores é mostrar aos nossos alunos a maneira canônica da língua vista em (2), mas julgarmos a produção de (1) como inglês péssimo e por isso não fluente é corroborar com uma visão gerativista de linguagem que, de fato, inconscientemente, atinge grande parte dos nossos colegas de profissão. Afinal, a língua não se desenrola como se fossem gavetinhas rotuladas dentro das quais só podemos colocar aquilo que está designado nos rótulos. Pode sim. Na verdade, isso vai acontecer e deve acontecer para que nossos alunos saibam explorar as nuances da linguagem e então se tornar um falante altamente competente uma vez que se terá uma pessoa capaz de se comunicar em qualquer tipo de contexto. Se reconhecermos que existem algumas comunidades de fala que apresentam frases como (1), como ‘he don’t work‘, entre outros, não passaremos vergonha ao corrigirmos nossos alunos precipitadamente e, até, de maneira esnobe, pois com certeza eles irão falar que ouviram isso vindo de um falante nativo e, pela lógica do aluno, eles têm maior credibilidade que nós. O fenômeno mais atual da língua inglesa no que tange estruturas sintáticas é o caso do I can’t even tendo even função de verbo. Isso não está na gavetinha correta hein.

Nós professores de língua inglesa precisamos dar amplitude à questão aquisição de linguagem (Rajagopalan, 1996), porque se continuarmos a engessar a produção linguística de nossos alunos, jamais iremos evoluir no quesito entendimento de linguagem de maneira geral e continuaremos com esse pressuposto preconceituoso que infelizmente assola as discussões de ensino de língua portuguesa ao não entendermos a língua como um organismo mutante carregado de proposições, ideias, pensamentos. Precisamos procurar entender onde nossos alunos querem chegar e mostrarmos as diversas maneiras de se atingir esse objetivo nos mais sortidos contextos. E você, teacher… deixa seu inglês fora da gaveta?

Assista Um Filme E Brinque Com Professores

As férias chegaram e todos nós professores vamos nos divertir. Iremos acordar tarde, viajar, colocar a saúde em dia, ver TV, assistir filmes no cinema. A sétima arte tem sido um meio de entretenimento fantástico, principalmente nos últimos anos, com obras de tirar o fôlego quer seja pelos efeitos especiais, quer seja pela trama. Vamos adicionar mais um ingrediente: os filmes também têm sido ótimos por causa de sua ligação com a linguística.

Sim, é incrível como a linguística tem sido abordada nos blockbusters recentes. Vamos ver essa relação. Sigam-me os bons!

Em sua primeira e estrondosa obra, Chomsky afirma que nós humanos nos diferenciamos pela nossa capacidade de falar e que essa fala é decorrente de uma função cerebral destinada exclusivamente à fala. Ou seja, quando nascemos, nosso cérebro comporta uma área de entendimento e desenvolvimento de fala, permitindo que nós humanos nos comuniquemos em qualquer idioma com um simples input. De acordo com essa teoria gerativista, possuimos a famosa gramática universal. Hollywood, que é bem esperta, percebeu que esse estudo é extremamente interessante, controverso e pioneiro e logo tratou de utilizá-lo em um de seus filmes. Se vocês assistirem o filme “Lucy”, com Scarlett Johanson e Morgan Freeman, logo no início poderão perceber que assim que a atriz tem sua cognição aumentada em função de uma nova droga, ela lê uma placa escrito em chinês (sim, ela está na China) e automaticamente entende. É claro que se trata de um filme, a cena tinha que oferecer algo impactante, mas ela leva em consideração as teorias gerativistas de aquisição de linguagem. Na cena do filme, Lucy foi pobremente exposta ao idioma, mas o fato de seu cérebro ter sofrido um avanço fantástico de performance, a gramática interna dela foi responsável pelo desenvolvimento da língua chinesa em questão de milésimos de segundos.

Em direção oposta, temos nos estudos de aquisição de linguagem trabalhos que enfatizam as interações interpessoais como sendo fatores fundamentais. Vocês se lembram do filme “Nell”? Aquele com a atriz  Jodie Foster? Então, o filme, diferentemente de “Lucy”, minimiza a inteligência e mostra o drama de uma mulher que cresceu e viveu grande parte de sua vida longe de qualquer contato com outras pessoas e por isso não fala nossa língua. De acordo com a trama do filme, essa falta de habilidade foi ocasionada através do isolamento de Nell (Jodie Foster), portanto ela não produzia nem entendia quem conversasse com ela. Essa total falta de interação interpessoal relatada no filme tem base na teoria de aquisição interacionista que pode ser encontrada nos estudos de Schumann. Seus estudos suportam que a língua é herdada pelas pessoas através da comunicação, mais precisamente por meio de imitação em seu estágio inicial. Isto é, quando crianças, simplesmente imitamos o que vemos outras pessoas (geralmente adultos) falando sem pensar, usamos ordens sintáticas primariamente porque ouvimos pessoas ao nosso redor falar assim e, caso não haja nenhum tipo de intervenção, carregaremos essa herança por nossas vidas. Nell não teve esse padrão para seguir, seu cérebro, ao contrário do que afirmou Chomsky, não possui uma área destinada ao desenvolvimento da fala que pode pormenorizar as interações sociais.

No começo dos anos 2000, surge uma nova corrente acadêmica de aquisição de linguagem: a usage-based learningDiferentemente das duas anteriormente citadas, esse estudo coloca gerativistas e interacionistas no mesmo barco, remando na mesma direção. O novo filme do “Parque dos Dinossauros”, “Jurassic World”, usa o usage-based learning de Tomasello ao mostrar como a congnição dos velociraptors aliada a interação social com um ser que oferece um tipo de comunicação diferente resulta na aquisição de uma nova linguagem. Portanto, nós professores de língua inglesa temos como trabalho oferecer aos nossos alunos o melhor modelo linguístico possível para que os alunos então reflitam sobre a língua e não somente repitam feito papagaios. Precisamos fazer com que nossos alunos aprendam a nova língua e tenham a intenção de expressar algo.

Com todas essas opções de filmes muito legais e ao mesmo tempo nos abrem os olhos para nosso trabalho como professores de línguas, que tal fazer uma pipoquinha e aproveitar um tempinho para assistir alguns filmes? A brincadeira começa agora: a cada filme que vocês assistirem e tiver plano de fundo relacionado com aquisição de linguagem, comentem aqui dizendo o nome do filme e a conexão com a linguística. Além disso, escrevam nos comentários como você tem aplicado essas teorias em suas aulas. Let’s all have fun because we’re on vacation after all.

Aprendendo A Falar Com Os Jurássicos

Eu sou um nerd. Tenho coleção completa de história em quadrinhos do Wolverine, edições especiais de X-men e muitas outras. Adoro filmes de ficção científica – Star Wars pra mim é motivo de emoção. Lendo blogs sobre esse mund nerd, aprendi que quando se comenta algo que contenha spoilers é importante avisar que o artigo contém esse tipo de informação. Portanto, este artigo contém spoilers. Caso queira continuar a ler, fica por sua conta e risco.

Gostaria de tomar a liberdade e escrever um pouco mais sobre o processo de aquisição do que necessariamente sobre ensino de língua inglesa, embora haja uma conexão muito estreita entre esses assuntos. Todos que costumam ler os artigos publicados sabem que sou um estudioso fervoroso do conceito do usage-based learning de Michael Tomasello. Eu jamais havia escrito nenhum artigo inteiramente sobre esse conceito, mas hoje vou conversar mais sobre isso. O usage-based learning é uma corrente linguística contemporânea que mistura duas propostas linguísticas mundialmente consolidadas: o gerativismo, com a ideia da gramática universal e o interacionismo, com as relações interpessoais. Tomasello entra com seu estudo no início do século 21 com a ideia de se juntar ambas correntes uma vez que elas se complementam.

O conceito de que possuímos uma gramática universal cai por terra ao tentarmos colocar uma simples frase dentro desse estudo. Como será que os gerativistas justificariam seu ponto de vista ao analisarem a existência e utilização da expressão “pipoco do trovão”? Se colocarmos dentro de uma oração completa teremos:

(1) Aquele bar, de sexta à noite, é o pipoco do trovão.

A frase em (1) é totalmente gramatical, mas para que ela faça sentido é necessário que alguém seja de Alagoas, conheça alguém de Alagoas, tenha viajado pra Alagoas ou  que tenha conversado por muito tempo com uma amiga de Alagoas – meu caso. De acordo com o estudo de aquisição de linguagem gerativista, essa formação de frase é perfeitmante aceitável e possível de acontecer a partir de uma possível gramática interna inerente aos seres humanos. Mas… onde entra a parte semântica de (1)?

As interações sociais se encarregam de fazer com que a troca de informações contidas na fala ganhe sentido. Por exemplo, a primeira vez que alguém falou pra mim “o pipoco do trovão”, a pessoa teve que explicar  o que a expressão significava pois, até então, ela não fazia sentido algum, embora eu reconhecesse que ela estava falando português. No entanto, o que os estudos de relação interpessoal no processo de aquisição de linguagem diminuem é o papel das funções cognitivas (superiores) no que diz respeito a decodificação tanto fonética quanto semântica/pragmática da fala a qual o interlocutor se expõe.

Mas para entender o que o Tomasello propõe com seu estudo de usage-based learning, basta assistir o novo filme do Parque Dos Dinossauros – Jurassic World. Exatamente, além de ser um filme incrível – eu senti a mesma emoção que senti no primeiro filme dos anos 90 – o novo filme do Spielberg tem um viés linguístico muito interessante. Não, os dinossauros não falam no filme. Barney ainda continua sendo o único jurássico que fala nossa língua, embora as pequeninas criaturas do filme se comuniquem, sim.

Pois vamos lá. No filme, os velociraptors são treinados, como se treinam os cachorros. Eles utilizam a cognição para associar a voz do treinador, os comandos, ou seja os dinossauros não somente ouvem o que é falado, mas também entendem o que aquela produção de sons emitida pelo protagonista (humano) do filme quer dizer com os assovios, os cliques de seu clicker e linguagem corporal. Os velociraptors no filme simplesmente aprendem numa sucessão de tentativa e erro, assim como nós aprendemos a falar. Quando crianças ouvimos, reproduzimos e somos frequentemente reforçados, corrigidos até que um determinado momento de maturação cerebral passamos a falar adequadamente com os registros adequados também.

Se os velociraptors não tivessem interagido com seu treinador, de nada adiantaria sua cognição pois tudo que ele falasse ou gesticulasse não faria sentido para os dinossauros, como não fez sentido pra mim ouvir “o pipoco do trovão” pela primeira vez. Foi exatamente o que o filme mostrou. Existe um dinossauro na trama que foi criado geneticamente em laboratório, mas não teve nenhum tipo de contato social nem com os humanos visitantes do parque, nem com outros dinossauros. Esse dinossauro de laboratório não reconhece os comandos do treinador pois não existe associação, conexão entre a experiência social (inexistente) e a inteligência que o dinossauro possui.

Claro que se trata de uma visão fictícia, mas que ilustra bem o processo de aquisição de linguagem segundo o estudo de Tomasello de usage-based learning. Precisamos estar expostos para que a gente use nossa cognição e então, aos poucos, tentarmos reproduzir a fala. Em nossas aulas de inglês também podemos estimular essa prática dentro da sala. Claro, se não quisermos que nossos alunos se tornem um dinossauro revoltado e saia fazendo estragos pelo parque.