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Gramática Universal em ELT

Gênios são atemporais. Por mais que décadas, séculos passem, por mais que seus trabalhos sejam aperfeiçoados ou questionados, a gente tem a obrigação de respeitar todos que desbravaram o caminho e, nesse caso, temos que nos curvar à genialidade do senhor Noam Chomsky. Embora a posição deste que vos escreve seja a de questionar muitas das afirmações desse gênio, no caso de L2 sua teoria de Gramática Universal (GU) tem muita relevância.

O que vem a ser GU? Gramática Universal vem  ser a ideia de que todos os seres humanos tem por habilidade inata a organização da língua em categorias (Chomsky, 1986), isto é, a sintaxe acontece através da nossa capacidade de categorização das palavras. Por exemplo, quando aprendemos a palavra “eu”, nosso instinto é colocar uma palavra em seguida, que pode ser um verbo, que, por sua vez, nos faz querer inserir mais um outra palavra e no caso da língua portuguesa cabe muito bem um objeto. Segundo Chomsky e Pinker, e seu conceito de Gramática Universal, essa categorização se transforma, em termos contemporâneos, num template linguístico criado única e exclusivamente pelo nosso cérebro graças a evolução da nossa espécie (Chomsky, 1986, Pinker, 1999). Portanto, toda pessoa sem nenhum tipo de condição especial neurológica possui essa habilidade de se colocar cada palavra em sua gavetinha como se a língua estivesse limitada a eixos cartesianos em que temos por eixo horizontal X temos um número limitado de palavras a serem escolhidas e no eixo vertical Y, a ordem sintática para obtermos frases como em (1-3).

(1) Eu chutei a bola.

(2) Meu irmão corre todo domingo.

(3) She travels a lot.

(4) Ele pegou na quina da bola.

O problema da GU quando a conversa é sobre aquisição de língua materna – como Chomsky estudou – é que logo de cara temos uma teoria de propriedade e não de aquisição. Isso quer dizer que a GU em seu core não é adquirido e sim algo que possuimos. Outro detalhe que contribui para que a GU não funcione em sua plenitude nas línguas maternas (L1) é o fato de termos frases como vimos em (4). Se o template proposto caísse feito uma luva, essa frase deveria ser considerada “não-semântica” afinal uma bola não apresenta quinas, mas esse jargão é constantemente utilizado por pessoas que fazem parte do universo futebolístico e significa que o jogador atingiu a bola de raspão e ela acabou tomando um rumo diferente do pretendido. Isso quer dizer que a língua não é somente um plano de eixo duplo e que nossa habilidade cognitiva de categorização não é a única responsável pelo desenvolvimento da nossa língua. Porém, esse template linguístico tem relevância quando consideramos ensino de língua estrangeira.

Se transferirmos GU para o processo de aquisição de L2, podemos ter uma utilização maior para esse sistema. A ideia de que todos temos essa gramática internalizada nos faz pensar que todas as línguas têm funcionamento semelhante àquele de nossa língua materna. Isto é, se nosso idioma nativo é o português e de maneira geral temos o sistema SVO (sujeito, verbo, objeto), ao aprendermos uma língua diferente a gente pressupõe que esse novo idioma também terá sistema SVO. Esse pensamento, instinto de sobrepor a ordem sintática da primeira língua pode ser considerado como uma GU, uma vez que todos têm uma língua materna e, portanto, estão acostumados com a categorização linguística. Isso quer dizer que o instinto de transferir um sistema para a L2 não se trata de algo necessariamente inato, mas de um recurso aprendido ao longo dos anos que se torna um norte no início de processo de aquisição de um outro idioma.

(5) *I not have a car.

(6) *Have many interesting animals in the zoo.

Podemos notar em (5-6) a interferência do que pode-se considerar língua portuguesa na produção da língua inglesa como idioma estrangeiro. Em (5) temos a presença da palavra “não” em inglês numa aparente tentativa de  produção de uma frase negativa, mas não há uso do auxiliar “don’t” do inglês. É possível dizer que essa produção foi feita colocando as palavras que a língua dispõe e organizadas em cada uma de sua gavetinha sem preocupação com peculiaridades da nova língua. Em (6) a influência do template interno criado para a língua portuguesa é mais evidente, pois simplesmente foi colocada a o verbo “ter” com o significado de “existe”, igual no português. Porém, na íngua inglesa, esse template não funciona porque é necessária a utilização da locução “there to be“.

Muito embora os exemplos considerados estejam mostrando influências negativas da GU, é importante saber que existe esse template linguístico e que ele de fato é sobreposto sobre o sistema do idioma-alvo. Todos nós utilizamos essa gramática que nossa congição desenvolveu para fazermos uma comparação com a língua a ser aprendida e ao saber que isso acontece, nós professores precisamos achar maneiras de utilizar esse meio caminho andado ao nosso favor e não colocarmos rótulos nos alunos. Vamos tentar ser tão legendários como Chomsky e fazer com que nossos alunos se lembrem da gente por nosso trabalho de alta qualidade.

 

 

Aprendendo A Falar Com Os Jurássicos

Eu sou um nerd. Tenho coleção completa de história em quadrinhos do Wolverine, edições especiais de X-men e muitas outras. Adoro filmes de ficção científica – Star Wars pra mim é motivo de emoção. Lendo blogs sobre esse mund nerd, aprendi que quando se comenta algo que contenha spoilers é importante avisar que o artigo contém esse tipo de informação. Portanto, este artigo contém spoilers. Caso queira continuar a ler, fica por sua conta e risco.

Gostaria de tomar a liberdade e escrever um pouco mais sobre o processo de aquisição do que necessariamente sobre ensino de língua inglesa, embora haja uma conexão muito estreita entre esses assuntos. Todos que costumam ler os artigos publicados sabem que sou um estudioso fervoroso do conceito do usage-based learning de Michael Tomasello. Eu jamais havia escrito nenhum artigo inteiramente sobre esse conceito, mas hoje vou conversar mais sobre isso. O usage-based learning é uma corrente linguística contemporânea que mistura duas propostas linguísticas mundialmente consolidadas: o gerativismo, com a ideia da gramática universal e o interacionismo, com as relações interpessoais. Tomasello entra com seu estudo no início do século 21 com a ideia de se juntar ambas correntes uma vez que elas se complementam.

O conceito de que possuímos uma gramática universal cai por terra ao tentarmos colocar uma simples frase dentro desse estudo. Como será que os gerativistas justificariam seu ponto de vista ao analisarem a existência e utilização da expressão “pipoco do trovão”? Se colocarmos dentro de uma oração completa teremos:

(1) Aquele bar, de sexta à noite, é o pipoco do trovão.

A frase em (1) é totalmente gramatical, mas para que ela faça sentido é necessário que alguém seja de Alagoas, conheça alguém de Alagoas, tenha viajado pra Alagoas ou  que tenha conversado por muito tempo com uma amiga de Alagoas – meu caso. De acordo com o estudo de aquisição de linguagem gerativista, essa formação de frase é perfeitmante aceitável e possível de acontecer a partir de uma possível gramática interna inerente aos seres humanos. Mas… onde entra a parte semântica de (1)?

As interações sociais se encarregam de fazer com que a troca de informações contidas na fala ganhe sentido. Por exemplo, a primeira vez que alguém falou pra mim “o pipoco do trovão”, a pessoa teve que explicar  o que a expressão significava pois, até então, ela não fazia sentido algum, embora eu reconhecesse que ela estava falando português. No entanto, o que os estudos de relação interpessoal no processo de aquisição de linguagem diminuem é o papel das funções cognitivas (superiores) no que diz respeito a decodificação tanto fonética quanto semântica/pragmática da fala a qual o interlocutor se expõe.

Mas para entender o que o Tomasello propõe com seu estudo de usage-based learning, basta assistir o novo filme do Parque Dos Dinossauros – Jurassic World. Exatamente, além de ser um filme incrível – eu senti a mesma emoção que senti no primeiro filme dos anos 90 – o novo filme do Spielberg tem um viés linguístico muito interessante. Não, os dinossauros não falam no filme. Barney ainda continua sendo o único jurássico que fala nossa língua, embora as pequeninas criaturas do filme se comuniquem, sim.

Pois vamos lá. No filme, os velociraptors são treinados, como se treinam os cachorros. Eles utilizam a cognição para associar a voz do treinador, os comandos, ou seja os dinossauros não somente ouvem o que é falado, mas também entendem o que aquela produção de sons emitida pelo protagonista (humano) do filme quer dizer com os assovios, os cliques de seu clicker e linguagem corporal. Os velociraptors no filme simplesmente aprendem numa sucessão de tentativa e erro, assim como nós aprendemos a falar. Quando crianças ouvimos, reproduzimos e somos frequentemente reforçados, corrigidos até que um determinado momento de maturação cerebral passamos a falar adequadamente com os registros adequados também.

Se os velociraptors não tivessem interagido com seu treinador, de nada adiantaria sua cognição pois tudo que ele falasse ou gesticulasse não faria sentido para os dinossauros, como não fez sentido pra mim ouvir “o pipoco do trovão” pela primeira vez. Foi exatamente o que o filme mostrou. Existe um dinossauro na trama que foi criado geneticamente em laboratório, mas não teve nenhum tipo de contato social nem com os humanos visitantes do parque, nem com outros dinossauros. Esse dinossauro de laboratório não reconhece os comandos do treinador pois não existe associação, conexão entre a experiência social (inexistente) e a inteligência que o dinossauro possui.

Claro que se trata de uma visão fictícia, mas que ilustra bem o processo de aquisição de linguagem segundo o estudo de Tomasello de usage-based learning. Precisamos estar expostos para que a gente use nossa cognição e então, aos poucos, tentarmos reproduzir a fala. Em nossas aulas de inglês também podemos estimular essa prática dentro da sala. Claro, se não quisermos que nossos alunos se tornem um dinossauro revoltado e saia fazendo estragos pelo parque.