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O Bobo, O Rei, O Hoje – Pensamento Crítico Nas Aulas de Inglês

É… vivemos momentos bem delicados politicamente falando. Toda nossa história culminou com uma bipolarização e a falta de discussão em alto nível entre pessoas, civis, fomenta tudo isso. Nossa função como teachers é, claramente, levar essa discussão sobre o que tem acontecido no Brasil para a sala de aula. Para isso, precisaremos da ajuda de um rei. Mais precisamente, o Rei Lear (King Lear).

Vamos deixar tudo muito bem claro: se você não se sente confortável para utilizar a obra original de Shakespeare com seus alunos, não tem problema. Existem inúmeras edições com inglês contemporâneo que podem (devem) ser utilizados, isto é, nada justifica o não uso. Dito isso, vamos entender rapidinho o enredo desta obra de arte shakespeariana. O Rei Lear, como a grande maioria daqueles que têm certo cargo alto hierárquico, se auto denominava o mais inteligente do mundo, aquele que tudo sabia, o detentor absoluto da sapiência, e possuía 3 filhas. Como a idade já estava chegando, ele então pensou em dividir a Bretanha entre suas filhas desde que elas se casassem. Tal qual todo aquele que acredita ser o mais esperto do mundo, todas elas o manipularam e o passaram pra trás, mas ele havia sido avisado, frequentemente, por um dos personagens mais emblemáticos dessa tragédia: o Bobo (Fool). Infelizmente, a tradução para o português acabou perdendo a riqueza do nome desse personagem, pois a palavra fool significa tolo. O Fool é o personagem mais sábio e aquele que consegue, de fato, entender tudo que acontece em volta do Rei, embora Lear desdenhasse dos comentários do Bobo.

Fool
Dost thou know the difference, my boy, between a
bitter fool and a sweet fool?

KING LEAR
No, lad; teach me.

Fool
That lord that counsell’d thee
To give away thy land,
Come place him here by me,
Do thou for him stand:
The sweet and bitter fool
Will presently appear;
The one in motley here,
The other found out there.

KING LEAR
Dost thou call me fool, boy?

Este é o trecho original da peça de Shakespeare em que o Bobo, muito perspicaz, tenta mostrar ao Rei a grande besteira que acabara de fazer ao abrir mão de um pedaço de suas terras a um dos pretendentes de sua filha por achar que ele era digno. Mas… como utilizar isso dentro da sala de aula? Qual a relação que isso tem com 0 momento conturbado que a política brasileira vive? Lembram-se que anteriormente mencionei que usar o original não é necessário? Pois então, para turmas de EF I – acredito que 4° ano seria legal – pode-se trabalhar o uso de algumas características abstratas e pedir que os alunos tracem o perfil de um bobo (tudo no idioma alvo). Em seguida, separe alguns trechos da obra em que o Bobo aparece e converse com os alunos se ele compartilha das mesmas características que eles mesmos propuseram. Para estimular o pensamento crítico deles, pergunte o motivo de eles acharem que sim, compartilha, ou não, não compartilha. Com os alunos mais maduros, talvez até de Ensino Médio, podemos entrar no mérito político de maneira mais profunda e criarmos um debate para que eles digam quem seria o palhaço sábio no nosso cenário atual. Sugestão: utilizar o fato de o Tiririca ser um dos deputados mais éticos da política brasileira na atualidade.

Por mais que nossa responsabilidade seja ensino de uma língua estrangeira, não podemos jamais fechar os olhos para tudo que acontece em nosso quintal e por mais triste que a situação atual seja, podemos fazer um link com obras literárias para motivarmos a leitura, logo contextualizada. Assim, iremos muito além de ensinarmos um idioma. Promoveremos o pensamento crítico (desde cedo) e ajudaremos a formar cidadãos mais conscientes.

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A Força Literária Das Mulheres

Muito tempo atrás, no início do século (21, claro), minha turma do colegial era composta por alunos “santos”, “calmos”, praticamente lordes britânicos. Só que não! A gente só inventava coisa errada, brincávamos e tirávamos sarro de todo mundo e uma das brincadeiras tinha a ver com um amigo nosso que era cabeludão e barbudão. Era a época da novela da Rede Globo “O Cravo e a Rosa” e a brincadeira que fazíamos com nosso amigo era que ele se parecia com o Petruchio, um dos protagonistas da dramaturgia. Mal sabia que aquela trollagem tinha raízes mais profundas e que, de fato, o Petruchio só é Petruchio por causa da outra protagonista, a Catarina (Katherine).

A novela em questão é uma releitura da obra de arte que Shakespeare escreveu mais de 500 anos atrás. O que faz de Shakespeare ser um gênio, e gênios são atemporais, é a capacidade e a sensibilidade que ele teve ao escrever uma comédia com a personagem Feminina tão forte e inteligente quanto o personagem masculino numa época em que igualdade de gênero não era sequer embrionário. Tudo começa pelo título: “Taming Of The Shrew” (O Adestramento do Esperto, numa tradução livre). A primeira impressão é de que se trata de uma obra machista, pois sugere que Petruchio coloque rédeas em sua noiva, com conceito completamente errado; onde já se viu um homem “adestrar” uma mulher somente por ela ter opinião formada, ser inteligente e, muitas vezes, confrontar homens. No desenrolar da leitura, percebe-se que a genialidade de Shakespeare é tão incomparável uma vez que Petruchio acaba mudando suas atitudes e Katherine também, em alguns momentos, faz concessões. Olha a força que a Katherine tem! Shakespeare foi tão cirúrgico (como sempre) ao desenvolver sua comédia que é praticamente impossível dizer quem é o Esperto e quem é o Adestrador, o que deixa mais poderosa a figura da protagonista feminina haja vista que seria impensável uma mulher enfrentar o machismo vigente daquele momento e encabeçar decisões a ponto de se remodelar o comportamento de um homem.

Para alunos, de maneira geral, ler já é chato. Ler uma obra de 60 anos atrás é muito chato. Ler algo escrito 600 anos atrás é garantia de um sono pesado, babas e roncos. Como todas as atividades que constam no lesson plan, utilizar Shakespeare, mais do que nunca, precisa ter relevância com o contexto atual de nossos students. Nossas aulas de língua inglesa poderiam até utilizar a novela da Rede Globo em conjunto com o texto, mas a novela também já ficou bem velhinha para os alunos além de estar em língua portuguesa. Trabalho em dobro. Mas como diria o maior super herói do mundo, o Chapolin Colorado: não priemos cânico. Podemos começar a ler com nossos alunos – penso em turmas do EF2 que já têm mais maturidade para discutir temas importantes – um trecho pré selecionado da obra shakespeariana e promover uma discussão da leitura no idioma alvo. Na discussão, entre outras possibilidades, pode-se fazer uma comparação dos direitos das mulheres na época e quanto elas conquistaram até o presente momento. Para trazer o tema para algo mais atrativo, o filme “10 Coisas Que Odeio Em Você” dialoga com a comédia de Shakespeare e pode ser utilizado como um task de compreensão em sala de aula e, posteriormente, promover o mesmo ou outro debate como uma segunda tarefa. Para fechar, podemos pedir que os alunos selecionem comportamentos inadequados do Petruchio e comportamentos de vanguarda da Katherine e então eles iriam recriar os momentos de “Taming Of The Shrew”, como se fosse nos dias atuais, através de um role play.

Falar da importância feminina dentro da literatura inglesa requer, por baixo, uns 490 anos para talvez conseguir cobrir tudo com detalhes. Abordar a importância das mulheres na história da humanidade então é um continuum que exigiria mais de mil anos para contar. O fato é que elas merecem seu espaço em nossas aulas de inglês não somente nesse dia em que elas são comemoradas, mas sempre que houver possibilidade porque se Shakespeare falou que elas são fortes, quem somos para ir contra o gênio.