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A Linguística (De Fato) Aplicada

O final dos anos 90 e começo da primeira década dos anos dois mil foram períodos muito interessantes. A internet chegou ao Brasil, as redes sociais davam seus primeiros passos, o “bug do milênio” não passou de um medo virtual e o apocalipse virou uma falácia. Além disso, presenciamos um boom de escolas de inglês que foi impressionante. As franquias praticamente brotavam em cada esquina quando o país se viu inserido no mundo graças, também, a internet. Mas qual terá sido  a fórmula mágica que as escolas de idiomas descobriram para tornar o ensino de língua estrangeira tão interessante?

A resposta pode ser mais simples do que imaginamos, só que todo o processo por trás disso é complexo e requer tempo. As escolas de idiomas fazem, cada um à sua maneira, seus alunos falarem. Esse é um dos fatores linguísticos responsáveis pelo crescimento contínuo de centros de idiomas e suas receitas “infalíveis” para se atingir a tão cobiçada fluência. Deixando de lado a eficácia das metodologias, vamos colocar todo foco sobre a grande sacada que foi desnormatizar o ensino de línguas.

Eu sei que já mencionei o trabalho de Tomasello aqui por diversas vezes, mas é que de fato seu estudo sobre desenvolvimento da língua é uma quebra de paradigma nesse tema, pois antes tínhamos somente a ideia de que a fala acontece através de um template linguístico em plano cartesiano. No eixo X, a sintaxe da língua e no eixo Y os léxicos. A partir desse modelo, Chomsky e Pinker (e mais um monte de linguístas gerativistas) publicaram brilhantemente vários estudos mostrando que esse plano cartesiano funcionava para todo mundo pois isso seria parte de uma função lógica do nosso cérebro, isto é, segundo os gerativistas nós encaixamos palavras em seus determinados lugares conforme as ouvimos. Isso seria perfeito em exemplos como (1) e (2).

(1) I run 10 miles everyday.

(2) Yo no tengo un perro.

(3) Parei de pensar e comecei a sentir.

O grande porém desse estudo que coloca o desenvolvimento da fala como algo inato é a desqualificação de um eixo do plano, o eixo Z. Esse eixo representa a intencionalidade na fala e interacionistas apostam quase todas suas fichas no cunho social para a aquisição. Esse viés social declara que nossa língua se desenvolve conforme somos expostos e vamos copiando falantes adultos tanto na parte fonética quanto na ordem e seleção léxica. Por se tratar de um estudo sob fundamentaçoes sociais, a intenção entra em jogo e consegue explicar o significado de (3), sendo que sob o olhar gerativista, pode-se pressupor que a pessoa não sentia enquanto pensava ou até mesmo que ela de fato não vai mais pensar. Pensar que a língua é um fator exposicional, como uma herança cultural mesmo (como disse Wittgenstein), coloca por terra a pobreza de estímulo que chomskinianos apresentam haja vista que a intenção de (3) é explicitamente passada para as gerações.

Eis que então alguém parou e pensou “ei! sim, nós temos cérebro e a fala contém muito de sua parte lógica que nos obriga a usar nossa cognição, mas também precisamos de interações sociais para adquirirmos a intencionalidade”. Essa é praticamente a fundação do estudo que iniciou o Usage-based Learning. A fundamentação teórica (ultra mega hiper resumida) é que nossa fala se desenvolve conforme somos expostos, pensamos e falamos. Segundo Tomasello, nossa fala tem início de maneira singular, ou seja, através de um item e conforme vamos sendo expostos, vamos raciocinando e entendendo o que colocar, onde colocar e o que queremos expressar.

(4) Gone.

(5) It’s gone.

(6) Horsey gone.

(7) The horse is gone.

Todas as instâncias vistas de (4) até (7) mostram evolução da fala conforme exposição e reforço de um falante adulto. Portanto, o que precisamos fazer com nossos alunos dentro de nossas salas de aula é incentivar a fala. E que fique bem claro que repetição, pedir pra que alunos leiam em voz alta ou simplemente pedir pra que eles criem uma frase não é encorajamento de fala. Primeiro que repetição pode ser mecanizada, não necessariamente há utilização de cognição (funções superiores), segundo que ler em voz alta também pode ser mecanizado, ou seja, o aluno pode simplesmente ler o que estiver escrito e não entender o conteúdo. Por fim, pedir para que nossos alunos inventem uma frase, usando a famosa “give me a sentence with” embora sacie a parte cognitiva do processo aquisitivo da língua, não releva o fator comunicativo (social) que, conforme foi dito anteriormente, carrega o eixo Z da intencionalidade.

Portanto, precisamos nos planejar com o maior cuidado possível para que a gente consiga promover a fala em sala de aula. Por vezes, os materiais didáticos não oferecem esses tipos de atividades. Sem problemas! Nós mesmos podemos criar exercícios para que enfim o ensino de língua estrangeira no Brasil saia da atual posição pífia e enfim nossas crianças se sintam parte do mundo. Se as escolas de idiomas conseguiram oferecer trabalhos semelhantes, a escolas regulares com certeza conseguem aprimorar.

Assista Um Filme E Brinque Com Professores

As férias chegaram e todos nós professores vamos nos divertir. Iremos acordar tarde, viajar, colocar a saúde em dia, ver TV, assistir filmes no cinema. A sétima arte tem sido um meio de entretenimento fantástico, principalmente nos últimos anos, com obras de tirar o fôlego quer seja pelos efeitos especiais, quer seja pela trama. Vamos adicionar mais um ingrediente: os filmes também têm sido ótimos por causa de sua ligação com a linguística.

Sim, é incrível como a linguística tem sido abordada nos blockbusters recentes. Vamos ver essa relação. Sigam-me os bons!

Em sua primeira e estrondosa obra, Chomsky afirma que nós humanos nos diferenciamos pela nossa capacidade de falar e que essa fala é decorrente de uma função cerebral destinada exclusivamente à fala. Ou seja, quando nascemos, nosso cérebro comporta uma área de entendimento e desenvolvimento de fala, permitindo que nós humanos nos comuniquemos em qualquer idioma com um simples input. De acordo com essa teoria gerativista, possuimos a famosa gramática universal. Hollywood, que é bem esperta, percebeu que esse estudo é extremamente interessante, controverso e pioneiro e logo tratou de utilizá-lo em um de seus filmes. Se vocês assistirem o filme “Lucy”, com Scarlett Johanson e Morgan Freeman, logo no início poderão perceber que assim que a atriz tem sua cognição aumentada em função de uma nova droga, ela lê uma placa escrito em chinês (sim, ela está na China) e automaticamente entende. É claro que se trata de um filme, a cena tinha que oferecer algo impactante, mas ela leva em consideração as teorias gerativistas de aquisição de linguagem. Na cena do filme, Lucy foi pobremente exposta ao idioma, mas o fato de seu cérebro ter sofrido um avanço fantástico de performance, a gramática interna dela foi responsável pelo desenvolvimento da língua chinesa em questão de milésimos de segundos.

Em direção oposta, temos nos estudos de aquisição de linguagem trabalhos que enfatizam as interações interpessoais como sendo fatores fundamentais. Vocês se lembram do filme “Nell”? Aquele com a atriz  Jodie Foster? Então, o filme, diferentemente de “Lucy”, minimiza a inteligência e mostra o drama de uma mulher que cresceu e viveu grande parte de sua vida longe de qualquer contato com outras pessoas e por isso não fala nossa língua. De acordo com a trama do filme, essa falta de habilidade foi ocasionada através do isolamento de Nell (Jodie Foster), portanto ela não produzia nem entendia quem conversasse com ela. Essa total falta de interação interpessoal relatada no filme tem base na teoria de aquisição interacionista que pode ser encontrada nos estudos de Schumann. Seus estudos suportam que a língua é herdada pelas pessoas através da comunicação, mais precisamente por meio de imitação em seu estágio inicial. Isto é, quando crianças, simplesmente imitamos o que vemos outras pessoas (geralmente adultos) falando sem pensar, usamos ordens sintáticas primariamente porque ouvimos pessoas ao nosso redor falar assim e, caso não haja nenhum tipo de intervenção, carregaremos essa herança por nossas vidas. Nell não teve esse padrão para seguir, seu cérebro, ao contrário do que afirmou Chomsky, não possui uma área destinada ao desenvolvimento da fala que pode pormenorizar as interações sociais.

No começo dos anos 2000, surge uma nova corrente acadêmica de aquisição de linguagem: a usage-based learningDiferentemente das duas anteriormente citadas, esse estudo coloca gerativistas e interacionistas no mesmo barco, remando na mesma direção. O novo filme do “Parque dos Dinossauros”, “Jurassic World”, usa o usage-based learning de Tomasello ao mostrar como a congnição dos velociraptors aliada a interação social com um ser que oferece um tipo de comunicação diferente resulta na aquisição de uma nova linguagem. Portanto, nós professores de língua inglesa temos como trabalho oferecer aos nossos alunos o melhor modelo linguístico possível para que os alunos então reflitam sobre a língua e não somente repitam feito papagaios. Precisamos fazer com que nossos alunos aprendam a nova língua e tenham a intenção de expressar algo.

Com todas essas opções de filmes muito legais e ao mesmo tempo nos abrem os olhos para nosso trabalho como professores de línguas, que tal fazer uma pipoquinha e aproveitar um tempinho para assistir alguns filmes? A brincadeira começa agora: a cada filme que vocês assistirem e tiver plano de fundo relacionado com aquisição de linguagem, comentem aqui dizendo o nome do filme e a conexão com a linguística. Além disso, escrevam nos comentários como você tem aplicado essas teorias em suas aulas. Let’s all have fun because we’re on vacation after all.

We’re Not Robots

Me lembro que anos atrás uma propaganda de algum centro de idiomas brincava com outra rede sobre o fato de os alunos ficarem repetindo coisas feito papagaios, mecanizados. De fato, essa metodologia neurolinguísta tem suas vantagens, mas o processo de aquisição de linguagem precisa de mais. Nós aprendemos e desenvolvemos nossa fala através de repetição, imitação do que adultos falam sem necessariamente sabermos se é possível estender aquele padrão para outros exemplos da língua. Crianças fazem isso até seus 5 anos de idade em média e jovens adultos que aprendem uma língua estrangeira também apresentam o mesmo comportamento. Mas nós não somos robôs.

O que acontece com crianças e alunos de inglês como língua estrangeira é que frases formuladas são ensinadas e entendidas, no entanto nossos alunos tendem a querer utilizar o mesmo padrão linguístico para criar outras respostas. Ou seja, os alunos entendem perfeitamente a intenção comunicativa daquela frase fixa, mas eles têm tendência de querer entender as características comunicativas de cada elemento da frase e por isso vão, através de tentativa e erro,  migrando esses elementos para suas produções diversas até que eles recebam um feedback positivo e aprendam a forma mais apropriada, caso haja uma. Vamos ver se conseguimos ilustrar o que nossos alunos fazem e vejam se vocês reconhecem esse tipo de comportamento e se já passaram por algo do tipo.

(1) Thank you.

(2) Don´t mention it.

O que temos em (1) e (2) são pares comunicativos comuns de agradecimento e reconhecimento. Porém, o que nossos alunos, sejam eles crianças e adultos (menos em adultos), vão tentar fazer é entender cada elemento frásico e utilizá-los, de alguma maneira, em outros contextos que talvez não sejam adequados. Por exemplo, pode ocorrer a associação de que mention seja sinônimo de say e então pode causar confusão quando nosso alunos quiserem agradecer como podemos ver em (3) e (4).

(3) Thanks.

(4) #Don’t say it.

Ok. Repetir feito papagaios não é legal só que também não podemos nos esquecer de que o tempo de aula é bem reduzido. Como trabalhar, então, expressões linguísticas fixas tipo thank you, how are you doing, long time no see you, etc? Vamos ver se a gente consegue desenvolver uma prática legal então. Podemos utilizar fotos ou figuras de pessoas famosas variando entre políticos, artistas da TV e cinema, cantores para serem utilizadas no começo da aula no momento do aquecimento (warm up) para que nossos alunos digam quem são, o que fazem e percebam a importância de posição que cada um possui. Com isso, passamos delicadamente a noção de formalidade. Para trablharmos  o par thank you/you’re welcome e suas variáveis, induzimos o aluno a produzir o que ele já sabe para agradecimentos: pressupondo conhecimento para you’re welcome. Então oferecemos uma nova maneira com don’t mention it e passamos para a fase de prática.

Para fazer nosso alunos praticarem, podemos separá-los em duplas e, através de uma pré-produção colando fotos de rostos de pessoas famosas embaixo das carteiras dos alunos, diga para eles colocarem as “máscaras” e peçam coisas uns aos outros. Assim eles vão se divertir e praticar sem parecerem robôs. Caso algum aluno faça confusão, como no caso que mencionei no começo deste texto, estaremos atentos para que os alunos não produzam de maneira mecanizada. Afinal, o único robô que consegue falar a mesma coisa por anos e fazer sucesso é o exterminador do futuro em seus filmes.

Aprendendo A Falar Com Os Jurássicos

Eu sou um nerd. Tenho coleção completa de história em quadrinhos do Wolverine, edições especiais de X-men e muitas outras. Adoro filmes de ficção científica – Star Wars pra mim é motivo de emoção. Lendo blogs sobre esse mund nerd, aprendi que quando se comenta algo que contenha spoilers é importante avisar que o artigo contém esse tipo de informação. Portanto, este artigo contém spoilers. Caso queira continuar a ler, fica por sua conta e risco.

Gostaria de tomar a liberdade e escrever um pouco mais sobre o processo de aquisição do que necessariamente sobre ensino de língua inglesa, embora haja uma conexão muito estreita entre esses assuntos. Todos que costumam ler os artigos publicados sabem que sou um estudioso fervoroso do conceito do usage-based learning de Michael Tomasello. Eu jamais havia escrito nenhum artigo inteiramente sobre esse conceito, mas hoje vou conversar mais sobre isso. O usage-based learning é uma corrente linguística contemporânea que mistura duas propostas linguísticas mundialmente consolidadas: o gerativismo, com a ideia da gramática universal e o interacionismo, com as relações interpessoais. Tomasello entra com seu estudo no início do século 21 com a ideia de se juntar ambas correntes uma vez que elas se complementam.

O conceito de que possuímos uma gramática universal cai por terra ao tentarmos colocar uma simples frase dentro desse estudo. Como será que os gerativistas justificariam seu ponto de vista ao analisarem a existência e utilização da expressão “pipoco do trovão”? Se colocarmos dentro de uma oração completa teremos:

(1) Aquele bar, de sexta à noite, é o pipoco do trovão.

A frase em (1) é totalmente gramatical, mas para que ela faça sentido é necessário que alguém seja de Alagoas, conheça alguém de Alagoas, tenha viajado pra Alagoas ou  que tenha conversado por muito tempo com uma amiga de Alagoas – meu caso. De acordo com o estudo de aquisição de linguagem gerativista, essa formação de frase é perfeitmante aceitável e possível de acontecer a partir de uma possível gramática interna inerente aos seres humanos. Mas… onde entra a parte semântica de (1)?

As interações sociais se encarregam de fazer com que a troca de informações contidas na fala ganhe sentido. Por exemplo, a primeira vez que alguém falou pra mim “o pipoco do trovão”, a pessoa teve que explicar  o que a expressão significava pois, até então, ela não fazia sentido algum, embora eu reconhecesse que ela estava falando português. No entanto, o que os estudos de relação interpessoal no processo de aquisição de linguagem diminuem é o papel das funções cognitivas (superiores) no que diz respeito a decodificação tanto fonética quanto semântica/pragmática da fala a qual o interlocutor se expõe.

Mas para entender o que o Tomasello propõe com seu estudo de usage-based learning, basta assistir o novo filme do Parque Dos Dinossauros – Jurassic World. Exatamente, além de ser um filme incrível – eu senti a mesma emoção que senti no primeiro filme dos anos 90 – o novo filme do Spielberg tem um viés linguístico muito interessante. Não, os dinossauros não falam no filme. Barney ainda continua sendo o único jurássico que fala nossa língua, embora as pequeninas criaturas do filme se comuniquem, sim.

Pois vamos lá. No filme, os velociraptors são treinados, como se treinam os cachorros. Eles utilizam a cognição para associar a voz do treinador, os comandos, ou seja os dinossauros não somente ouvem o que é falado, mas também entendem o que aquela produção de sons emitida pelo protagonista (humano) do filme quer dizer com os assovios, os cliques de seu clicker e linguagem corporal. Os velociraptors no filme simplesmente aprendem numa sucessão de tentativa e erro, assim como nós aprendemos a falar. Quando crianças ouvimos, reproduzimos e somos frequentemente reforçados, corrigidos até que um determinado momento de maturação cerebral passamos a falar adequadamente com os registros adequados também.

Se os velociraptors não tivessem interagido com seu treinador, de nada adiantaria sua cognição pois tudo que ele falasse ou gesticulasse não faria sentido para os dinossauros, como não fez sentido pra mim ouvir “o pipoco do trovão” pela primeira vez. Foi exatamente o que o filme mostrou. Existe um dinossauro na trama que foi criado geneticamente em laboratório, mas não teve nenhum tipo de contato social nem com os humanos visitantes do parque, nem com outros dinossauros. Esse dinossauro de laboratório não reconhece os comandos do treinador pois não existe associação, conexão entre a experiência social (inexistente) e a inteligência que o dinossauro possui.

Claro que se trata de uma visão fictícia, mas que ilustra bem o processo de aquisição de linguagem segundo o estudo de Tomasello de usage-based learning. Precisamos estar expostos para que a gente use nossa cognição e então, aos poucos, tentarmos reproduzir a fala. Em nossas aulas de inglês também podemos estimular essa prática dentro da sala. Claro, se não quisermos que nossos alunos se tornem um dinossauro revoltado e saia fazendo estragos pelo parque.