O Maravilhoso E Complexo Mundo Da Linguagem

Já ouvi muitos coordenadores, diretores e outros professores reclamarem de barulho dos alunos em sala de aula. Quando eu estava na escola como aluno, sempre que tinha algum barulho, eu estava no meio envolvido com a situação (espero que meus ex-alunos não leiam isso). Estamos falando de uma combinação do tipo fogo e gasolina: crianças e fala, isto é, precisamos incentivar nossos students a falar e eles vão gostar disso. Por que? Porque a língua, segundo Schumann, tem características de Sistema Complexo Adaptativo (CAS em inglês).

Vamos ver se conseguimos entender a ideia de um CAS. Imaginem o seguinte cenário: você acorda todos os dias às 6 e meia da manhã pra ir trabalhar e no caminho, sempre no mesmo horário, você cruza com a mesma pessoa andando de bicicleta. Vocês não se conhecem, não sabem nada um do outro, mas todo santo dia de manhã, vocês se cruzam. Vai chegar um ponto que você vai basear seu horário a partir do momento que você vê o biker, esse será seu padrão de tempo que vai definir se você está ou não atrasado pro serviço. Pois esse padrão que surgiu através dessa “interação” não programada é o que define o conceito de CAS. Ok, Rodolfo, mas o que raios isso tem a ver com as aulas de inglês? Tudo. Se não oferecermos chances para que nossos alunos falem, quer seja de maneira direcionada ou livre, a língua dificilmente irá se desenvolver. Já falamos em outros artigos que a interação é importante para a parte fonética da língua, para os léxicos, quando conversamos sobre a criatividade dos alunos a partir do uso das redes sociais. Mas vamos além. A gramaticalização também depende das interações para que ela ocorra e não sabemos nunca que tipo de padrão sintático uma criança vai produzir primeiro, isso faz com que a língua seja um CAS (Schumann, 2009).

Embora Schumann fale da gramaticalização de um pidgin, assim se transformando em um creole, podemos fazer um paralelo com o processo de aquisição de linguagem, quer seja língua nativa ou estrangeira. “Creolização ocorre abrutamente através de um jargão ou por um pidgin estável sem passar pelo estágio de pidgin estendido ou gradualmente via últimos estágios de um pidgin” (Schumann, 2009: loc. 709). Isso quer dizer que uma brincadeira linguística – por isso insitimos na ideia de laboratório linguístico – pode ser gatilho de uma gramaticalização mesmo se a brincadeira render orações gramaticalmente inadequadas.

(1) * É nóis.

(2) * My dad workeds.

Tanto em (1) como em (2) vemos frases agramaticais, mas que podem ser o estímulo necessário para o desenvolvimento de uma estrutura sintática mais adequada. No caso de (1), é muito comum ouvirmos esse jargão e nossa função como professores é de orientar o momento adequado para uso dele e, por que não, usar essa fala para mostrarmos como que ela se transforma quando utilizada de maneira canônica. Já em (2), percebemos caso de super generalização da regra para terceira pessoa do singular da língua inglesa, isto é, nosso suposto aluno achou que o uso do “s” em final de verbos também deveria ser utilizado para o passado simples. A partir desse cenário temos a opção 1 em que o mundo vai formatar a fala desses alunos e com isso dar corpo na gramaticalização da fala ou a opção 2 que é oferecermos feedback aos alunos sem cortar a criatividade deles mas para que eles saibam outras “versões” da língua. Através desse tipo de interação contínua, espera-se que nossos alunos adaptem sua fala para o modelo que desejamos, por isso podemos dizer que a língua é um CAS.

Portanto, a próxima vez que alguém reclamar do barulho da sala, fale pra essa pessoa que os alunos estão fazendo um trabalho muito complexo e por isso, precisam extravazar para que o resultado seja, no mínimo, melhor do que os que temos presenciado nos últimos anos em relação ao ensino de língua inglesa. Desenvolva seu lesson plan já pensando nos momentos em que os alunos vão falar, deixe-os falar, deixe-os brincar com a língua. Caso contrário, continuaremos no the book is on the table.

Assaye For Alle And Some

Mais um ano, mais tudo de novo. Mais trabalho, mais contas, mais aulas… Não, aulas ainda não. Mas nada nos impede de começarmos o ano regando a sementinha que há um certo tempo plantei com você, meu amigo teacher: a noção de que a língua é um organismo mutante, em constante metamofose. Por isso, precisamos tomar muito cuidado quando vamos corrigir nossos alunos para evitarmos coonstragimentos. Nossos e dos alunos.

Infelizmente, aqui no Brasil temos uma noção de língua muito conservadora. Qualquer tipo de invenção já é tratada como erro, como morte do português, como desrespeito da nova geração com nosso idioma. Mas como somos professores de língua estrangeira, jamais iremos cair nessa armadilha, pois iremos entender a seguinte situação: se nos apegarmos de fato à perfeição da produção da língua inglesa e sua maneira mais canônica possível, teremos que voltar muitos séculos no passado. Caso a gente tenha uma abordagem conservadora com a língua, iremos exigir de nossos alunos frases iguais a que vemos em (1).

(1) And whoso fyndeth hym out of swich blame,
      They wol come up…

O que vemos em (1) é uma citação de Geoffrey Chaucer, do século XIV! E pasmem, a palavra they está usada de maneira diferente. O pronome está se referindo a uma pessoa do singular, no caso hym (him). Será que temos envergadura moral para dizer que Chaucer não sabia inglês? Mas afinal, qual sugestão para situações como essa? Isto é, o que fazer quando os alunos surgirem com produções que saem do usual?

Antes de mais nada precisamos, de uma vez por todas, colocarmos na cabeça que “language is changing constantly: the English of Shakespeare’s day doesn’t sound like our English today, and the English of 500 years from now will have changed even further“, como disse Gretchen McCulloch. Nosso trabalho é oferecer aos nossos alunos ferramentas para que eles as utilizem para desenvolver o idioma, ou seja, o papel que possuímos é de coadjuvante nesse mundo educacional. Entre as ferramentas que oferecemos, está a função de mostrar aos alunos que qualquer tipo de inovação e criatividade linguística é bem-vinda. Em seguida, temos a tarefa de contextualizar a fala dos nossos alunos, precisamos mostrar que existem situações em que a criatividade com a língua não será muito bem aceita. Assim, conseguiremos manter o estímulo à criatividade com a língua estrangeira, incentivaremos a criação do ambiente de “laboratório linguístico” e a resposta de nossos alunos com certeza será a mais positiva a cada turma que passar.

O fato de they ter se tornado a palavra do ano em 2015 fazendo referência a uma pessoa no singular reforça nossa posição descentralizada dentro da sala de aula. Se ficarmos tolindo todo momento de criatividade de nossos alunos com a língua, vai chegar um momento em que eles não vão mais sentir segurança em se comunicar no idioma alvo. Precisamos entender a inovação linguística e encorajar nossos alunos a brincar com o idioma, assim a língua deixa de ser um bicho de sete cabeças.