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Não, O Português Não Atrapalha

Quando eu era mais moleque, estava na escola ainda, uma professora de inglês que tinha disse uma coisa que realente me marcou pra vida. Surpreendentemente (ou não), não foi nada relacionado à matéria. Ela disse “vocês não podem pensar em português se quiserem aprender inglês”. Muito provavelmente ela disse mais coisas que eu não me lembro, mas o core da “super dica” – ou teria sido bronca – foi esse. Isso ocorreu em meados dos anos 90, o inglês ainda não era matéria oficial do currículo escolar, os professores não tinham fácil acesso às informações e, talvez por isso, ela tenha ignorado o fato de a língua materna poder ser, sim, um aliado na aquisição da língua estrangeira (L2).

Sempre disse aos meus alunos que o teacher que pede para não usar a língua materna para aprender inglês merece ficar de castigo no canto da sala. Para nós, o português pode ser o plano de fundo para sobreposição da L2, ou seja, os alunos devem e vão comparar as línguas e irão notar as similaridades entre nosso bom e velho português e o bom e novo inglês. A estrutura sintática da língua portuguesa, de maneira geral, respeita a regra SVO – susbstantivo, verbo, objeto. O inglês também respeita esse sistema (de maneira geral, claro) e essa similaridade ajuda muito o processo de aquisição da linguagem. Pois, vamos analisar (1) e (2) para entendermos como nosso background em português pode ajudar na decodificação do inglês.

(1) Armando Nogueira wrote an amazing article.

(2) Armando Nogueira escreveu um artigo incrível.

Com exceção dos adjetivos e dos artigos, pode-se notar o sistema SVO tanto em (1) quanto em (2). Esse tipo de informação, não necessariamente passada de maneira descritiva, auxilia o entendimento da nova língua, inglesa, confirmando quão positiva pode ser essa transferência.

A ideia de transferência positiva (positive transfer) influencia, como vimos, a aquisição da língua no que diz respeito ao pragmatismo (Kasper, 1992, Takahashi, 1996). Por isso, em diversas vezes, o português acaba sendo a pedra no sapato de alguns alunos pois nem sempre nossa língua nativa foi aprendida de maneira boa o suficiente para que haja tranferência positiva.

Nesse caso, a língua nativa pode acarretar em uma transferência negativa (negative transfer). Um dos problemas que podem ser notados é a ocorrência de erros (errors), ou seja, quando o aluno definitivamente não tem conhecimento e, por dedução causado pela  língua materna, acaba produzindo e errando. O que pode acontecer é o erro em nível lexical devido às palavras cognatas. Considerando anniversary, alunos podem ter a brilhante ideia: “já que anniversary é igual em português, então posso usar ‘niver’ para me referir à aniversário em inglês”. Definitivamente isso não vai dar certo. Antes de descer paulada na influência do portguês no processo de aquisição, é importante perceber a transferência positiva da palavra em questão. O aluno associar a palavra estrangeira como sendo igual a palavra da língua portuguesa é uma evidência. Porém, usar “niver” em língua inglesa não tem valor, sem significado e nós, professores, podemos usar essa situação como abertura para introdução de algo novo. No caso, a referência informal à “aniversário”, pode ser ensinada a expressão “b-day”, por exemplo.

Seja influenciando positiva ou negativamente, a língua portuguesa deve sim ser parte integrante do processo de aquisição. Não nas aulas, falando português ou fazendo aulas de tradução, mas os professores precisam desenvolver aulas que trabalhem essa transferência, essa sobreposição que é realizada no pensamento dos alunos. De tudo isso só fico triste por minha professora não ter lido os linguístas que estudam pragmática, porque ela jamais teria dito aquilo e teria usado nossa língua como aliada às suas aulas.

Oferecemos Aulas Com Professores Nativos

A mídia é um veículo poderosíssimo de formação de opinião. Ela consegue influenciar escolhas políticas, compras de determinadas marcas, também consegue despertar interesse em assistir filmes, peças de teatro e, mais recentemente, tem feito propagandas em massa sobre a utilização de professores nativos no ensino de língua inglesa. Mas será mesmo que a aquisição de um segundo idioma, o inglês, necessita de professores nativos para que ela ocorra de maneira mais eficaz? Vamos ver se no final deste artigo vocês chegam a uma conlcusão.

Todos somos falantes nativos da língua portuguesa – exceto algumas pessoas que habitam as raríssimas tribos indígenas em que a língua mãe não é o português. Devido a dimensão continental do Brasil, nossa variedade cultural é muito extensa e isso resulta em uma riqueza de variação linguística, muito embora a gente consiga se comunicar em qualquer parte do país. Além da variação regional, encontramos uma variedade linguística muito grande dentro de cada cidade: as famosas Comunidades de Fala. É incrível o que falantes nativos de cada idioma cria com a língua justamente para identificar aqueles que fazem parte da sua comunidade (Bucholtz, 1999), do seu grupo, da sua patotinha, da panelinha. Com certeza dentro das escolas – quem é professor já notou com certeza – existem esses grupinhos e a escolha lexical pode ser um indicador de identidade daquele grupo, por exemplo, o famoso “tipo assim”. Essa expressão idiomática pode ser representante de um grupo de alunos que, para serem destacados dos demais grupos. O estudo que Bucholtz conduziu na escola analizando o comportamento linguístico de identificação de comunidade de fala dos “nerds” e dos  “atletas” é algo peculiar do idioma que somente nativos podem saber.

Assim, utilizar professores nativos no ensino de língua inglesa pode ter benefício quanto a isso. Os alunos que tiverem exposição a esse tipo de língua irão, com certeza, ter acesso às expressões idiomáticas provenientes da comunidade de fala do professor, não somente gírias, mas talvez palavras que sejam mais frequentes naquela comunidade. Mais ainda, o sotaque também vem de brinde. Só nos Estados Unidos existem centenas de variações fonéticas que também podem fazer parte de uma comunidade de fala bem exclusiva. Assim, um professor estrangeiro irá acrescentar ao processo de aquisição de língua estrangeira nada mais do que algumas expressões idiomáticas e sotaques provenientes de sua comunidade de fala, ou seja, um professor brasileiro, eu, você e seus colegas, temos perfeitas condições de ensinar inglês mesmo não sendo falantes nativos de fato. Além disso, temos uma vantagem sobre os professores nativos para balancear a carga sociolinguística que eles trazem: nós estamos inseridos no contexto dos nossos alunos e isso é um ponto importantíssimo na realização de atividades e do lesson plan, que tem maior eficácia se contextualizado.

A troca de cultura, o viés sociolinguístico do ensino de língua inglesa com professores nativos são inquestionáveis. Porém, dizer que a aquisição, de maneira geral, é melhor, mais rápida ou otimizada somente com professores nativos não é um bom argumento. A comunidade de fala existe e oferece um benefício, mas os professores de inglês brasileiros podem muito bem adquirir ou até mesmo serem inseridos nessa comunidade, no entanto entender o contexto social dos alunos brasileiros é mais complicado para os estrangeiros.